domingo, 7 de novembro de 2010

Capitulo 5 – Tão fácil quanto respirar

- Dois dias antes da coletiva de imprensa

Meu primeiro suspiro do dia resultou em uma nova música. Levantei rapidamente para escrever a letra, antes que o sonho pudesse ser esquecido. Sim, todas as músicas vinham dos meus sonhos, ou melhor, pesadelos que me perseguiam diariamente e que, de certa forma, contavam uma história, que parecia não ter fim.
“Uma senhora aparentemente com mais de 90 anos caminha ruidosamente pelas ruas do boulevard, acompanhada somente de sua bengala de madeira torta, com uma cabeça de leão na ponta, corpo escamoso como de cobra e uma pata de bode como apoio. Ela possuí olhos totalmente pretos, e sorri demoniacamente ao ver seus passos destruindo todo sinal de vida por detrás dela. Eu surjo na frente dela, e ela sente prazer em passar ao meu lado, cumprimentando-me:”
“- Heitor, queridinho – sua voz era engavetada – sofrerá só um pouquinho. Mas, como sempre, vai conseguir dar a volta por cima, e essa história renderá um pouco mais... E por pouco tempo... Essa história vai acabar pra você, em breve.”
“Ela me ultrapassa e eu acabo destruído, como tudo atrás dela.”

Desci as escadas para fazer o café da manhã para mim e para Lucy. Preparei um suco de laranja, torradas com geléia e parei na porta do seu quarto, destranquei-o e abri.
Um sentimento de dor e melancolia tomou conta de mim assim que entrei. A doce e meiga Lucy estava lá, sentada em sua cama, esperando seu café:
- Bom dia meu amor – disse ela, sorridente.
- Bom dia. Como você está? – entreguei a bandeja com seu café da manhã, tentando não tocá-la.
Ela olhou para si mesma, procurando motivos para estar bem. Procurou minhas mãos, suplicando um carinho. Ela conseguiu puxar uma de minhas mãos para perto dela, só aí consegui ver que ela estava novamente alterada.

- Bem melhor agora! – a calma voz de Lucy começava a oscilar.
- Lucy, por favor... – eu sussurrava a ela.
- Você precisa me tirar daqui, Heitor. Eu não aguento mais. Você disse que quando voltássemos para casa, me deixaria em paz.
- Eu sei, eu ainda... eu vou deixar você sair, mas...

Ela tentava me puxar para a cama, deixando o café que eu preparei de lado e pretendendo me atacar a qualquer momento.
- Lucy! – eu gritei, apavorado – me larga! – me soltei dela rapidamente e me aproximei da porta.

Lucy desabotoou seu pijama e tentou sair da cama, sem sucesso.
- Você sabe que eu não posso sair daqui, é você que tem que vir...

Eu olhei para os arredores da cama, eu mesmo tinha preparado aquele espaço. Uma luxuosa cama de casal, em volta de uma linha de sal que montava uma série de códigos em latim. Isso, de alguma forma, a prendia naquela cama.
- Não posso – suspirei – você sabe que não dá.

Ela chorou. Eu não sabia dizer se era dor, tristeza ou ódio. Meu coração acelerou. Por um momento, pensei em largar tudo e me guardar no colo da Lucy, minha paixão, minha motivação. Só eu poderia fazê-la parar de sofrer, mas sabia as consequências que isso me traria.
- Eu te amo Lucy – disse a ela, que estava em lágrimas – Mas, hoje não. Quem sabe amanhã.

Abri a porta, saí e tranquei o quarto, desesperadamente, enquanto ouvia os gritos de Lucy do lado de dentro.

Lucy sempre foi meu anjo. Ela me fez conseguir tudo o que eu possuo hoje. Minha casa, meu sucesso, minha aparência. Quando nos casamos, eu era só um garoto, com 19 anos e ela, 21. Tínhamos tudo em comum, mesmos gostos pra música, gastronomia, trabalho, estudos... Mas ela estava doente desde que nosso filho fez três anos.
Tudo começou com uma pequena depressão, sem vontade de sair de casa, não cuidava mais do Ian, parou de levá-lo para a escola, e tudo isso passou a ser minha função. Hoje, meu filho não mora comigo, ele estuda fora do país desde o início do ano, depois que completou 14 anos. Era melhor para todos, principalmente pra ele. Eu tinha que cuidar de Lucy, e ele não poderia ficar no meio daquela áurea ruim, iria definhá-lo também.

O telefone tocou e eu desci as escadas correndo para atendê-lo:
- Alô! – disse
- Heitor? – a voz era conhecida, provavelmente alguém da minha assessoria. – é a Ana.
- Ah, oi Ana. Tudo bem? – perguntei, esticando a mão para pegar o meu café.
- Temos uma coletiva, amanhã à tarde. Pela assessoria da Credicard Hall. Já está ciente?
- Estou – suspirei, mastigando minha torrada.
- E você vai chegar mais cedo hoje, não é? Na casa de shows para falar com os repórteres?
- E tenho outra escolha? – Ri, conformado.
- Não, não tem. – ela disse, rindo junto comigo. Ela emudeceu-se e depois prosseguiu – você está bem? – a preocupação na sua voz revelava que ela realmente sabia que algo havia acontecido.
- estou... – arfei, incomodado com sua percepção aguçada.
- Tudo bem então, não se atrase, ok?
- Não vou atrasar. – desliguei o telefone.

Subindo as escadas novamente, um ar de preocupação tomou conta de mim, como será que Lucy estava? Ouvi um suspiro vindo do quarto dela, a voz tornou-se calma e original, como era antigamente. Senti um aperto no peito e fui ver o que estava acontecendo. Abri novamente a porta e lá estava ela, me esperando, de joelhos na cama:
- Lucy - eu conseguia ver seus olhos azuis cheios de vergonha – Você está bem?
- O café da manhã estava ótimo, me perdoe, não quis te forçar a nada.
- Eu sei meu anjo, não foi culpa sua.
- Você tem que ficar longe de mim, não tem?
- Tenho - suspirei encostado na porta.
- Então faça isso. Só me dê notícias do Ian. Como ele está? – ela procurava não olhar em meus olhos enquanto falava.
- Falei com o Ian ontem, ele disse que estará em semana de provas na escola, e por isso não vai poder ligar nos próximos quinze dias, por conta dos estudos. Ele está bem Lucy, eu estou pensando em ir visitá-lo no final do ano.
- Eu vou preparar algo pra mandar pra ele. Você me ajuda?
- Claro que ajudo, quando você decidir o que vai ser, me avisa.

Ela tossiu e virou-se para o outro lado da cama:
- Estão perguntando por mim? – ela perguntou
- Eles acham que você está com Ian, na Inglaterra. Não tem por que perguntarem.
- Está certo – ela começou a chorar – é melhor assim. Essa história vai acabar para você, em breve.

Sua ultima frase me lembrou meu sonho, e a velha que dizia a mim, que tudo isso ia acabar em breve, mas o quê iria acabar? Minha vontade era de cuidar da Lucy, pentear seus cabelos bagunçados, dar banho nela, mas ela não podia sair da cama, e depois do que ela havia acabado de dizer... Eu já não sabia mais se ainda era a minha Lucy.

- Agora, saia do quarto. – ela disse a mim, um pouco nervosa – Ela está voltando!

Sem pensar duas vezes, eu abri a porta do quarto e saí, deixando Lucy trancada dentro dele.
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Leia aqui o próximo Capítulo.



Todos os textos escritos sao de autoria de Gisela Santana. Por favor divulguem, mas com os necessarios meritos.

2 comentários:

  1. Nossa, a Lucy é tão doce... Hahaha!
    Estou enganada ou esse trecho voltou no tempo da história? Seria a manhã antes da entrevista, certo?

    Vamos ver o que acontece...

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  2. voltou sim, é essa a parte que começa a dificultar a historia.. rs

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