sábado, 8 de janeiro de 2011

Capítulo 12 – o som do coração

Meu destino é como almejei. Uma pena eu pensar que seria simplesmente planejando, que o destino estaria em minhas mãos. Mas não, era como nadar contra a maré, segurar-se em uma flor em pleno olho do furacão. Eu me fazia de forte e tinha subido ao alto da torre mais alta de um castelo de areia para me proteger de tudo e qualquer coisa, mesmo sabendo que a qualquer momento eu iria me jogar de lá, cansada de minha própria companhia. E então, seria de lá para o resto dos meus dias, como meu destino previra sem me ao menos me contar.

Heitor estava observando seu piano, como quem observava uma amante. Extrema adoração e sentimento saíam de seus olhos, talvez até um pouco de rancor. Fechou os olhos ao sentar-se no banco, tocou levemente cada tecla, fazendo o som vibrar em meus ouvidos. A acústica não favorecia, mas a intenção era captar a imagem, somente. Fiquei observando seu sentimento a cada movimento, e não pude deixar de perceber como ele era bonito. Seus olhos verdes, feito os meus, livres de qualquer marca da idade. Enquanto cantava, sua boca carnuda se movia com a mesma calma e atenção ao som que ouvia; o nariz fino compunha um rosto perfeito, digno de toda a fama que conseguiu por conta desse rosto delicado. Como pode alguém como ele poder se sentir tão triste, ao ponto de parecer sentir dor ao cantar? Estava cheio de sentimentos guardados, repulsa e ódio. Não pude deixar de me comover.

Ele estava agindo como se eu não estivesse ali, como se estivesse sozinho. Ou estaria agindo daquele jeito por que eu estava ali? Fiquei envergonhada por me achar tão importante a ponto de imaginar que ele poderia sentir por mim o que ele estava sentindo por aquele piano, pela composição ou até mesmo pela musa que o inspirou, e isso me tirou o fôlego. Se não fosse pra mim, por que estaria eu ouvindo?

Aquela música me tirou lágrimas. Piano e voz sempre me agradou muito, mas definitivamente aquele conjunto me deixou em outra galáxia. A voz de Heitor, um piano de calda no meio das flores do Jardim Botânico de São Paulo. Estávamos sozinhos naquele lugar. Vez ou outra ele me encarava, e eu ficava vermelha instantaneamente. Eu só não entendia por que ele fazia isso comigo. há anos que eu não me sentia apaixonada, ainda mais por alguém que nem conhecia direito.

Talvez eu tenha finalmente percebido que escolhi demais. Que as pessoas que eu tanto conhecia, não eram boas o suficiente para mim, afinal, eu já convivia com seus vícios e defeitos. Mas ele não. Até onde eu sabia, ele era um cara excêntrico, romântico à la roqueiro, do jeito que eu gostava, e estava me conquistando. Como eu poderia deixá-lo? Quem seria eu se continuasse a me aborrecer por conta de não estar em casa, cozinhando para mim e para um cachorro, em vez de ouvir a mais bela música cantada – aparentemente – para mim, e meu grande ego, é claro.

Assim que ele terminou, levantei-me lentamente e desliguei as quatro câmeras que o filmava em ângulos diferentes. O ar me faltava no peito, e isso era visível em mim. Heitor olhava fixamente para o piano. A grama silenciosa não permitiu que ele ouvisse meus passos na direção dele.

Encostei-me no canto do piano e o som do meu coração poderia ser ouvido por todo canto, quando eu pronunciei:

- O que você pretende? – um frio correu minhas veias quando pensei que Heitor estaria ouvindo também, o baque frenético do meu coração.

Ele se levantou e me encarou por um instante. Minha nuca estremeceu e ele segurou minha mão, acariciando meus dedos com delicadeza e vi seus braços se arrepiarem, assim como o meu, e ele me beijou.

Eu tive todas as sensações possíveis ao mesmo tempo. Ele tocava meus lábios delicadamente segurando minha cintura com firmeza e me fazendo sentir que a qualquer momento ele poderia nos derrubar no chão.

Meu sangue pulsava violentamente e eu o beijava com intensidade. Já não me importava se o barulho que fazia poderia ser ouvido por Heitor ou qualquer outra pessoa. Meus pés se elevaram do chão e Heitor me segurava no colo, levando-me ao piano. Ouvia a música que ele acabara de tocar, e tive a certeza que, mesmo que a música não tivesse sido criada pra mim, naquele momento ela estava sendo tocada pra mim. Ouvia também sussurros em minha cabeça, alguns implorando para não fazer isso, outros me insultando, outros até, reafirmando minha vontade de beijá-lo. Por vezes, parecia que ele estava sentindo dor, mas não deixou que isso o abalasse. Eu também senti um aperto, um sentimento estranho passar por mim, uma vontade de tê-lo, sobrenaturalmente. Abracei-o com todas as minhas forças, como se tivesse medo de sua ausência, de que fosse embora. Eu não era assim, mas estava prestes a atacá-lo, como se existisse uma força maior que a minha, que quisesse ter Heitor mais que a mim mesma, e isso fez me sentir mal.

Larguei-o repentinamente, e me senti bem. O rosto de Heitor exprimia repulsa. Como se o beijo jamais pudesse ter acontecido. Nos encaramos por um tempo e ambos quisemos não ter passado por essa situação:

- Desculpe – Heitor me disse visivelmente arrependido –, EU não devia ter feito isso.

Eu só o observei. De fato, queria que ele me beijasse, mas não que isso o fizesse mal. Não estava em questão ele me pedir desculpas; bastava ele não comentar e me beijar novamente, ou não repetir a situação, já que fora tão ruim. Ele percebeu a minha reação e se desculpou novamente:

- Carol? – ele me olhou – Não quis dizer isso. Na verdade, isso não deveria ter acontecido mesmo. É complicado...

- O que é complicado, Heitor? – perguntei, confusa.

- Tudo! É difícil explicar! – ele finalizou.

- Ta certo. – respondi, torcendo o lábio – eu vou pra casa.

Ele não me segurou e nem pediu para que ficasse. Voltou para seu piano e debruçou sobre ele, como se fizesse parte dele. Eu me distanciei dele e estava prestes a chamar por Rose, quando lembrei que estava sem carro:

- Você fez isso de propósito? – eu virei para dizer a ele.

- O quê? – ele me olhou e um sorriso voltava a aparecer em seu rosto.

Eu respirei fundo e não respondi. Só pela cara que ele fez, sabia que ele estava zombando de mim. Chamei Rose e sentei-me naquele mesmo banco.

- Só um minuto, Carolina – Heitor pediu, ainda sorrindo – Eu já te levo.

- Tudo bem. – tentei ser simpática, na presença de Rose e a equipe.

Ele fechou mais alguns detalhes com a Rose Gutenberg, e saímos. Eu estava profundamente chateada, mas o que eu poderia fazer? Ele era um cara famoso que quis fazer graça com uma repórter apaixonadinha.

No carro, não falávamos nada por um tempo. Mais uma vez, o trânsito da marginal nos fez ficar entediados.

- Carol, - ele começou – desculpa. Mesmo!

- Para de se desculpar! – eu falei, aborrecida. – Eu não sei por que você está assim, tão arrependido. Foi um beijo. Só isso... – eu despejei a falar – Quando isso acontece, você não precisa deixar claro que se arrepende, você simplesmente fica quieto e não faz de novo. Pode ser assim? – gritei, enquanto ele me ouvia – Poxa, por que você me trouxe aqui?

- Você não entenderia – ele disse, e sua voz calma contrastava a minha – eu te chamei pra sair, porque eu realmente quero você por perto. Mas não achei que fosse fazer isso, e não devia.

- Não devia? Sei. – emburrei – Tudo bem então. Pode me deixar em casa?

- Não quer tomar um café?

- Não!

- Tudo bem. Eu te levo.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Capítulo 11 - Dia de Folga (parte 2)

Sabe quando você recebe um elogio da professora de história, depois que você acaba de falar a frase do ano, quando se trata do assunto que ela gostaria de ouvir? Bom, foi assim que me senti. Eu não queria ouvir o que ele estava dizendo, por que sabia que ficaria vermelha, mas mesmo assim eu me senti extremamente importante ao ouvir que pudesse ser inspiração para alguém.

Heitor era do tipo que dirigia bem, mas não dava para mostrar seus dons no volante, afinal, estávamos parados na Marginal Pinheiros, e definitivamente alguém tinha que falar. Já que ele queria saber sobre mim...

- Minha irmã Inês, faz faculdade de Publicidade e Propaganda, no interior de Minas Gerais, na UFMG. Morei pouco tempo com a minha família, e ela se mudou há dois anos. – disse, tentando descontrair.

- Eu também moro sozinho. – ele começou - Meu filho tem 14 anos e mora na Inglaterra desde o início do ano, com a mãe dele. Eu nunca estive em casa o suficiente, e ele quis ir estudar lá... por isso...

- Não precisa se explicar! – eu sorri, observando o cachorro que estava dentro do carro ao lado – eu sei bem como é. Quando eu tinha 17 anos, meus pais morreram, num acidente de carro, perto de Salvador. Eu e minha irmã estávamos no carro, mas nos salvamos, graças a minha mãe. Meus avós já eram falecidos e meus pais não tinham muitos parentes... Resultado: eu e Inês acabamos numa espécie de orfanato, dentro de um convento no interior de São Paulo. Assim que fiz 18, herdei a casa dos meus pais e uma tia velha foi morar com a gente, e minha irmã tinha 7. Passei na USP, pra fazer jornalismo enquanto minha irmã, ficou com a Claudette. Assim que eu voltei, com 22 anos e ela ainda com 11 anos. E bom, é mais ou menos isso, ah, e vai fazer quase 10 anos que estou na tevê.

Ele me fitou, tentando entender o que eu havia acabado de falar. Demorou alguns instantes para concluir:

- Espera um minuto... Você tem... 29 anos?

“Merda!” pensei. Qual é o problema ter 29 anos?

- Olha quem fala, você tem quanto? 40? – eu ri.

- Quase isso. Mas, não pense que te achei...

- Velha? Imagina... – ironizei.

- É sério. Achei que você fosse mais nova, mas ao mesmo tempo. Deixa pra lá.

Heitor sabia que se continuasse a falar, iria piorar a situação. Ele me olhava diferente. Também não sei por que havia dito tudo aquilo. Ele não era meu amigo, nós tínhamos apenas uma relação um pouco além de profissional, e eu estava acostumada a entrevistar, e não ser entrevistada.

- Eu sinto muito... – ele disse – Pelos seus pais, e pelo convento. – ele sorriu.

- Não sinta. Eu aprendi muito por lá. Minha irmã foi mais rebelde, mas eu sempre tive a cabeça no lugar. – ri e prossegui – Acho melhor você olhar pra frente...

O carro de Heitor estava parado no meio da Marginal Pinheiros e o fluxo já estava voltando ao normal, e Heitor ainda olhava pra mim, chocado com o que eu havia dito. Depois que alertei-o, foi que ele percebeu o ocorrido. Ficou vermelho no mesmo instante e buzinou para alguns carros que reclamavam pela falha dele.

- Obrigada por avisar.

- Imagina. – disse – Já estamos chegando?

- É bem por aqui. – ele fez uma curva e entrou no Jardim Botânico de São Paulo.

- Jardim botânico? – perguntei confusa.

- Sim. Vamos terminar um clipe.

Um clipe? Ah Senhor! Eu iria ficar horas naquele lugar assistindo Heitor tocar?

- Clipe? – perguntei, já caminhando no jardim.

- Exatamente! – ele parecia satisfeito; eu, desencantada.

Eu seguia Heitor que andava às pressas pelo Jardim. Era um lugar maravilhoso, mas eu nunca estivera lá para curtir o espaço. Todas as vezes que visitava, era para cobrir algum evento.

- Relaxa! – ele disse – procure não pensar no que você poderia estar fazendo. Só aproveite! Ok? – ele sorriu, depois de ver meu aborrecimento

- Ta! – ri, por fim, conformada.

Aproveite? Aproveitar o que? Eu não acreditava que mais uma vez eu imaginei ter um encontro, mas pensa comigo: Como que eu, 29 anos, repórter qualquer de uma tevê que nem se importa comigo quer com um cantor famoso internacionalmente, 10 anos mais velho, lindo e... Bom, deixa pra lá. Eu estava sonhando demais.

Ele se dirigiu a um set improvisado de filmagens. No meio da grama e de diversas flores, um piano de calda descansava embaixo de uma tenda alta, onde possivelmente seria a gravação. Imaginei onde estava o resto da banda, eu só via os Câmeras, a diretora da gravação, conhecida como Rose Gutemberg, Heitor e eu. Ela mal cumprimentou-me e chamou Heitor para conversar num canto:

- Escuta aqui! – ela apontou o dedo na cara de Heitor - Você pediu para fecharmos este lado do parque hoje, e que ficássemos de boca fechada para não avisar a mídia, para não chover de gente por que senão, não iríamos conseguir gravar. E então, você chega aqui com ela? – ela não tinha intenção nenhuma de falar baixo.

- Desculpa Rose, você sabe a consideração que tenho sobre você e sua equipe, mas não me diga o que eu tenho que fazer. – ele falava bem mais baixo que ela, ainda assim, eu conseguia ouvi-lo. Isso fazia uma referência na altura da voz de Rose - Se eu a chamei, é por que quero que ela esteja aqui. Ponto final.

Ela o encarou e finalizou a conversa:

- Quando estiver pronto me avise. Eu retiro a equipe do set, como sempre.

Rose indignou-se e se pôs atrás de uma das câmeras, para confirmar se o ângulo era mesmo aquele, e se estava tudo certo para Heitor tocar sua música no piano. Eu, sentei-me num banquinho branco de praça e fiquei esperando que ele me mandasse sair do set, junto com Rose. Seria mais fácil. Mas ele não o fez.

Rose me fuzilou com os olhos, como quem estivesse com ciúmes, mal sabia ela que eu queria mesmo era trocar de lugar, sair de lá correndo e ir cuidar da minha vida. Heitor sinalizou que ela poderia começar a gravar e sair do set. Pediu que eu fizesse silêncio e perguntou se eu podia desligar as câmeras quando ele terminasse. Aceitei e ele sorriu. Fiquei pensando em como ele era uma pessoa estranha, mas me limitei a ouvir o que ele tinha pra tocar.

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Leia em breve o próximo Capítulo.



Todos os textos escritos sao de autoria de Gisela Santana. Por favor divulguem, mas com os necessarios meritos.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Capítulo 11 – Dia de folga (parte 1)

Coloquei um colchão king bem no meio da sala e diversas colchas de cama ao redor. O dia frio e nublado implorava para que cada cidadão folgasse para poder curti-lo, assistindo um filme, ao lado de quem gosta. No meu caso, seria com Thor, meu fiel companheiro. Estourei pipocas e peguei um pacote de biscoitos caninos, que eu sempre dava para Thor em ocasiões especiais. E ele adivinhava, pois ficava extremamente feliz quando eu chegava mais cedo do trabalho, ou quando tinha algum aniversário, meu ou dele.
Depois de ter cochilado algumas dezenas de vezes, a campainha me acordou. Levantei e vi que Thor não estava dormindo ao meu lado. Abri a porta e ninguém havia chamado. Morrendo de sono, tranquei a porta e voltei para o colchão da sala. Um filme qualquer ainda estava rolando, mas eu já não prestava atenção. Nessa tarde eu sonhei, depois de semanas, talvez meses sem saber o que era isso.
“Era dia, mas estava escuro. Eu caminhava surrealmente no mesmo caminho em que ocorreu o sequestro, como se assistisse a cena. Anastácia e Gabriel Javan estavam anormalmente iluminados, tanto quanto Thor. O meu ‘Eu’, que encenava, junto de Heitor estavam desfocados, como se nós fossemos meros coadjuvantes daquele teatro de horror do meu sonho.”
“No lugar do carro dos sequestradores, estava uma porta de ferro, quase apagada, como se fosse fumaça. Três seres irreconhecíveis abriram a porta e dominaram o casal, eles andavam mais encurvados do que os reais e o pisar no chão resultava numa feroz cavalgada, como se três cavalos estivessem disputando uma fêmea. O ‘Eu’ que sonhava, assistia a cena de frente para a porta, e, ao ver um rosto feminino do lado de dentro da porta, percebi que se tratava de algo muito diferente do que realmente estava acontecendo. Ela tinha cabelos lisos e pretos, bem cortados, e uma franja tampando parte do rosto. Antes que eu pudesse observá-la mais atentamente, tive que dar espaço para os três homens que levavam os reféns iluminados para dentro da porta obscura. De repente, num surto de irritação, os olhos negros intensos me fez querer entrar na mesma porta.”
“Como eu poderia deixar que aquele casal entrasse naquela escuridão sob o comando desse ser espetacularmente demoníaco? Mas, acaso eu poderia deixar meu ‘eu’ que atuava no sonho, sem saber o que seria de mim, mesmo sabendo que eu estava sonhando? A luz que saia de Anastácia e Gabriel iluminou um quarto luxuoso, com uma cama de rendas brancas e antes que eu pudesse decidir o que faria, os olhos negros dela se encontraram com os meus azuis, o ódio tomou conta de meu ser e eu despertei.”

Abri os olhos ao me senti diferente, como se estivesse com ódio de todo mundo. Foi quando percebi que Thor rosnava pra mim que retomei a consciência e avançou para mim, não mais querendo me atacar, mas sim agradecendo por estar de volta.

Fiquei com aquele rosto em minha mente. Algo me dizia que essa mulher estava bem próxima de mim, mas eu não me recordava da onde a conhecia.
Fui tomar um banho, lavar a alma. Precisava me olhar no espelho, para relembrar de como eu era. Cabelos castanhos escuros, um pouco desalinhados, num corte degradê, minha franja estava um pouco comprida e de lado, cobria parte dos meus olhos verdes; ainda possuía o rosto fino e as maças do continuavam coradas . Eu era uma pessoa bem aparentada, só não tinha muita confiança em mim mesma. Era difícil me deixar envolver por alguém, não tinha um relacionamento com um homem há algum tempo, e cada dia que passa, parece aumentar a distância de conseguir tal façanha.
O telefone tocava incessantemente na sala e eu tive que correr para saber quem era:

- Alô! – disse
- Você está bem? – disse uma voz masculina.
- Estou. Quem fala? – perguntei.
- Ah! – a voz se aliviou – é o Heitor.
- Oi Heitor. O que houve?
- Você não está na tevê! – afirmou.

Sua voz parecia envergonhada. Como se ele se importasse comigo. Ou ainda, como se ele não quisesse demonstrar que ele sentiu minha falta, principalmente enquanto eu estava ouvindo isso da boca do próprio.
- É... – estranhei – eu peguei folga.
- Folga? Ah, desculpa. Achei que... Bom, eu não queria interromper. Está ocupada?
- Claro que não. – eu ri – quero mesmo é ficar em casa.
- Posso pedir uma coisa? – ele disse.
- Depende! – disse.
- Na verdade, eu vou ter que ir a um lugar, gostaria que você me acompanhasse. Aí, depois, quem sabe... – ele enrolou – Lembra do convite que fiz?
- Qual? – questionei.
- Com a sua irmã... Do autógrafo!
- Ah! – respondi – Gentileza da sua parte se lembrar disso, depois de ontem.
- Pois é, então... Eu estava pensando em fazer algo legal nesse final de semana, aproveitando que você está de folga...
- Ah... Mas, minha irmã não mora comigo, e nem está em São Paulo. Mas... – parei e pensei – Peraí, você não vai viajar amanhã?
- Não! Quer dizer, Sim! – ele disse – eu vou viajar no sábado, o primeiro show é em Itu. Será que se você não contasse que ela terá um encontro com sua banda favorita, ela não viria?

Eu ri. Será que ouvi direito?
- Você ta nos convidando pra sair? – perguntei, antes mesmo de formular a pergunta na minha cabeça.

Ele pigarreou duas, três vezes. Eu estava morrendo de vergonha por dentro, mas minha maior vontade era de começar a rir. Porém, eu sabia que, se aquilo era realmente um convite, eu estragaria tudo. Esperei ele encontrar as palavras e ele concluiu.
- Ora, não é sempre que se tem uma folga extra. Eu passo pra te pegar e te deixo em casa. Pode ser?

Lembrei do que a minha irmã havia dito, sobre isso parecer um encontro. Pensei algumas vezes antes de responder:
- Tudo bem, que horas? – perguntei, por fim.
- Em duas horas. Você vai ter tempo pra se arrumar? – zombou da minha cara.
- Claro. Sou jornalista, e não modelo. Sabe onde eu moro?
- Mais ou menos. – ele respondeu – pode me fácilitar um pouco?

Disse a ele exatamente qual era a rua, e como fazia para chegar lá, finalizei a conversa e fui me arrumar. Heitor era um cara estranho. Ora ele me evitava, ora ele me chamava para sair. Algo me dizia que não era para eu aceitar seus convites e encerrar nosso primeiro indício de amizade, mas eu sempre fui teimosa. Antes de me arrumar, liguei para Inês, saber se ela poderia vir pra São Paulo:
- Já limpou a república? – perguntei a ela.
- Por quê?
- Pode vir pra casa? Só esse final de semana. Que tal? – eu disse, sarcástica.
- Nossa! – ela gritou – Eu não acredito! Você conseguiu?
- Sim! Por incrível que pareça, sua irmã tem um... encontro, hoje.
- Não! – ela gritou – Mas, sábado eu tenho show! E ele também! Como?
- Não sei! Não complica Inês. Ele disse que pensou em algo pro final da semana, quem sou eu para dizer não?

Ela riu e assentiu. Ouvi uns gritinhos do outro lado do telefone e acabei por rir. Percebi que fazia tempos que não me sentia bem com a minha irmã. Ela era sempre alegre e me tratava da mesma forma como estava me tratando agora. Foi aí que eu percebi que o problema era eu. Ela era feliz, como qualquer garota da idade dela, mas eu nunca fui assim.
Para mim, interessante era ser diferente. Estudava mais, sorria menos. Investia meu dinheiro, gastava pouco. Trabalhava muito e passeava pouco. Achava que era completa, porém, nestes pequenos momentos que me sentia realmente feliz.
Percebi que nenhum investimento me deixou tão feliz quando aquele sorriso que toda aquela situação me privilegiou. Falar com a minha irmã, de igual para igual, valeu muito mais a pena do que ter estudado tanto, trabalhado tanto. Foi exatamente neste momento que me senti orgulhosa de simplesmente existir.
Desliguei o telefone. Thor me observava. Era estranho pensar que desta vez, eu deveria me arrumar para ir a um encontro, mas isso me recordava amargamente da esperança de um encontro que poderia ter acontecido, se não fosse por aquele maldito sequestro.
Pedi para Thor cuidar da casa e ele assentiu, assumindo seu posto de chefe de família.
Duas horas depois, Heitor estava buzinando na porta de casa.

Entrei no carro e esperei:

- Sabe o que é? – ele começou, antes mesmo de me ver fechar a porta do carro – Acho que começamos mal. – ele forçou o lado do pescoço, a fim de estralá-lo, e eu acabei lembrando dos seus dedos estralando, o que me causou outro arrepio – Você me entrevistou e ficamos por isso mesmo. E eu não sei nada sobre você! – ele parou, talvez esperando uma resposta. Mas eu aguardei – Tudo bem que você é a dona das perguntas, mas não tem uma boa história pra contar?
- Jornalista sempre tem histórias... – ironizei, tentando encerrar o assunto.
- Por favor? – ele suplicou, sério.
- O que você quer saber? – questionei, grosseiramente.
- O que eu quero sabe? – ele se questionou.
- Você me chama pra sair, para ver um ensaio da sua banda, depois de um quase sequestro e de alguns dias corridos de atenção somente a você. Já não basta a matéria que dei? Vou mandar a real, não estou mais a fim de escrever sobre você! – emburrei.
- Escrever sobre mim? – Heitor disse, quase indignado – Eu não quero a mídia em cima de mim! Não quero que as pessoas saibam sobre a minha vida ridícula!
Ele parou pra pensar, e eu temi por isso.

§§§

Mulher é um bicho esquisito. Quando você pensa que está agradando, na verdade não está. Você nunca vai saber o que uma mulher quer, tenha certeza disso. E eu estava sentindo na pele.
O que eu deveria dizer a Carol? Que estava arrependido por me sentir atraído por uma repórter? Eu até diria, se fosse verdade. Mas eu não estava incomodado, sabia que ela era diferente. Mas sabia também que a todo o momento, alguma coisa dentro de mim me mandava sair de perto dela, só não sabia dizer se era para o bem dela ou para o meu. O que eu devo dizer a ela?
Engoli a seco algumas vezes, respirei fundo e terminei de responder.

- Olha Carol, eu só quero ser normal, andar naturalmente pela rua sem ter problemas, do lado de alguém que não gosta de mim por ser famoso, mas por ser uma pessoa comum. E, desculpe a grosseria, mas atualmente, você é a pessoa mais próxima de um relacionamento com uma mulher que eu tenho. – eu sorri.

No fundo, eu estava morrendo de vergonha, ela era uma mulher linda, mas parece que ninguém dizia isso a ela. Completamente insegura, talvez eu fosse alguém que pudesse mostrar a ela quem ela é. E, eu sabia que também precisava dela, como pessoa.

- Acho que preciso de alguma inspiração. Minha cabeça está vazia. – eu disse, mas não era bem isso que eu queria dizer.
- Inspiração? E vai me usar pra isso?
- Sempre uso alguém – eu ri, descontraindo – é só você topar.

Ela sorriu comigo e o silêncio tomou conta do carro por um instante. Como é mesmo que se começa um relacionamento? Eu já havia me esquecido, e por isso me calei. Esperava que também fosse por isso que ela estava calada. Na verdade, meu coração é que estava vazio.

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Leia aqui a parte 2




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domingo, 12 de dezembro de 2010

Capítulo 10 – Furo de reportagem

Heitor nos deixou na avenida e correu para sua casa, para buscar seu carro. Pela direção que ele foi, ele morava à, no máximo, dez minutos da minha casa. Quando ele voltou, o carro da TV Publish já estava gravando no local, com um dos repórteres que cobria as notícias policiais. Ele era alto e forte, do tipo galã de cinema, mas estava assustado.

Uma coisa é um repórter fazer matéria através de boletins de ocorrência, outra é estar na cena do crime, minutos depois de tê-lo ocorrido. O nome dele é Leandro Martinez, trabalhava no ramo desde sempre. Pelo menos era o que eu ouvia dizer.

Heitor estacionou o carro e entramos. Era uma Mercedes C63, preta. Fiquei com uma mega dó ao deixar Thor entrar e sujar o banco de trás do carro, mas Heitor pouco se importou.

Passamos a noite na delegacia. Eu, Thor e Heitor viramos personagens de uma matéria que rendeu bastante, principalmente pelo fato de que uma repórter quase havia sido sequestrada e estava junto de Heitor Purgatto, músico famoso que, coincidentemente havia feito algumas matérias com essa mesma repórter. Só de imaginar, isso poderia complicar minha vida, e a dele.

O sangue no corpo de Thor serviu para fazer o DNA de um dos sequestradores, e a filmagem, a placa do carro, serviu para descobrir os outros.

O casal sequestrado foi identificado: Anastácia e Gabriel Javan, casados há seis meses, jovens, donos de uma pequena papelaria na Zona Leste da Grande São Paulo. A princípio, nada que motivasse o sequestro deles, não eram de família rica ou conhecida, e pelo contrario, moravam há pouco tempo em São Paulo.

Eu fiz uma matéria sobre o caso, Heitor fez uma música. Thor tomou um belo banho e minha caixa postal só tinha mensagens de Inês. Apressei-me para respondê-la quando tive um tempo:

- Eu estou bem Inês – afirmei, antes que ela perguntasse.

- Disso eu sei! Eu quero saber do Heitor – eu não acreditei que ela realmente estava preocupada.

- Do Heitor? – ri – ele também esta bem.

- E, como você me explica esse encontro entre vocês três?

- Ah! – gritei ao telefone – Você é muito... – indignei-me, não consegui responder - Eu lá devo satisfações a você? – provoquei.

- Satisfações não. Mas quem sabe um pouco de consideração... – ela ironizou – se não fosse por mim, você não teria se encontrado com ele.

- E nem visto um sequestro ao vivo – retruquei – e muito menos causado esses problemas com pessoas que ACHAM – sibilei – que existe algo entre nós.

- Pode ser que não tenha, mas ainda vai acontecer. – ela pausou – E a matéria. Conseguiu?

- Inês... Eu, não consegui a matéria.

- Mas você é mesmo... – tive que interrompê-la, antes que ela dissesse que eu era incompetente.

- consegui algo melhor!

- Ah é? – ela ficou eufórica – O quê?

- Sabe, eu soube que a banda contratou um novo...

- ... Baterista – ela me interrompeu – Augusto Cabral, 20 anos, todo gatinho e tal... – ela riu – Também já estou sabendo.

- Pois então. Quer ser a primeira a conhecê-lo em um jantar? Tipo... Eu, você, Heitor e o Baterista.

- Isso ta com cara de encontro! – ela disse

- Pode ser, mas a idéia não foi minha. Foi do próprio Heitor.

- Então pra mim fechou! – ela riu – quando?

- É então... – eu me recordei - Foi mais ou menos nesse ponto da conversa que aconteceu o sequestro.

- Malditos sequestradores – ela insultou-os baixinho.

Rimos por algum tempo. Era bom tratar Inês como irmã novamente. Ela se lembrava pouco de nossos pais e a nossa ligação era muito forte. Só tínhamos uma à outra, e esses momentos distantes estavam sendo um sufoco para nós duas.

§§§

Ouvi Lucy me chamando quase desesperadamente, como se estivesse sentindo dor. Com medo, subi as escadas e abri a porta do quarto:

- Lucy? – perguntei, mas não obtive resposta.

Ela estava de pé na cama tentando pentear com a mão os cabelos já sem vida. Lembrei-me de como eles eram lisos e sedosos, não passavam dos ombros, e hoje, eles ultrapassavam a cintura, com os fios entrosados um no outro. Via seus dedos passando por eles, às vezes arrancando um ou outro fio. Esgotada, Lucy olhou pra mim com seus olhos pretos, e eu me arrependi de ter entrado no quarto.

- Heitor, eu não aguento mais! – Lucy resmungou – esse quarto é muito branco. As luzes do dia me cegam. Por que você não coloca cortinas negras, como meus cabelos?

- Não vou fazer isso. Você precisa do calor do dia, de escuro já basta a noite.

- Por favor... – suplicou – Meus olhos queimam!

Eu não a olhava nos olhos, mas algo me chamava naquele olhar, como um imã. Mas eu sabia o que aconteceria caso ela conseguisse me olhar nos olhos, negros por completo. Eu não me movia, deveria sair dali, o mais rápido possível, porém, continuava estático.

- Eu... Eu, vou trazer seu almoço – disse, procurando a maçaneta da porta.

- Eu não quero comer! – Lucy gritou – Não tenho fome! Pra quê comer se eu vou morrer nesse quarto? Olha pra mim, eu não preciso de comida.

Eu tentava não ouvi-la, para não olhá-la, assim que encontrei a maçaneta, sai do quarto, a deixando sozinha.

Minhas mãos tremiam, meu sangue pulsava na garganta e a respiração tendia a não me obedecer. Não aguentaria por tanto tempo. Preferia não precisar entrar lá, falar com Lucy... Mas ela precisava de mim, quando era ela mesma, e eu tinha que correr o risco. Encostado na porta, uma lágrima quis sair dos meus olhos, mas eu engoli o choro como sempre fiz. Não deveria chorar, não naquela situação. Desci as escadas e preparei o almoço dela, me preparando também, para enfrentar a fúria de Lucy bipolar, que gritava incessantemente, transformando meu dia em terror.

§§§

Cheguei na redação da TV Publish no dia seguinte, com a matéria em mãos, na íntegra. Não falei com nenhuma outra TV, ou qualquer outra mídia. Heitor também não falara com ninguém, não por que foi exclusividade nossa, mas porque ele não se sentia em condições.

Mas não foi bem um “bem-vinda” que eu recebi por lá:

- O quê você está fazendo aqui? – perguntou Mauro a mim – ninguém te disse que poderia pegar o dia?

- Não. – sentei-me na minha mesa – eu posso?

- Claro! – exaltou-se – você passou a noite na delegacia, depois de ter testemunhado um sequestro, você deve ir pra casa.

- E vocês vão perder a matéria? – eu perguntei a ele – Não dá! Se eu não aparecer na tevê hoje, contando a história na minha versão, outras histórias vão surgir.

- Do que você está falando? – ele disse.

Mauro não sabia com quem eu estava na hora do sequestro, era por isso que não entendia porque eu estava disposta a fazer a matéria. Ele coçou a orelha esquerda, como sempre fazia quando estava nervoso, e continuou:

- Entenda uma coisa, Carol. – ele sentou-se ao meu lado – Se você aparecer na tevê hoje, por mais que você conte a sua história, na sua versão, seja lá qual for, a opinião pública não vai cair em cima de você, mas em cima de nós, por deixarmos uma pessoa se expor dessa forma depois de presenciar um sequestro. Entende o tamanho do problema?

Ele não estava pensando no meu estado abalado depois de tudo que passei. Se bem que eu também não havia pensado em mim, no meu estado emocional. Na realidade, estava preocupada com o que diriam se a reportagem contasse que, na hora do sequestro, eu estava acompanhada de Heitor, passeando com meu cachorro Thor. Mauro pensava somente no que a população iria achar da tevê que deixa uma pessoa trabalhar depois de ser testemunha de um sequestro. Como se os sequestradores fossem me matar por contar a história verdadeira...

O grande problema foi que essa última frase, eu pensei alto:

- É exatamente isso que a população vai pensar. Que estamos expondo você simplesmente para ter audiência. – Mauro olhava pra mim, profundamente – Vão pensar que poderíamos colocar qualquer pessoa para fazer essa matéria, mas colocamos você. E de fato, podemos colocar qualquer pessoa. Você vai pra casa, tudo bem?

- Posso pelo menos dar uma entrevista para essa substituta? – eu me conformei.

- Estou pensando nisso ainda. – ele coçou a orelha esquerda – Vamos fazer o seguinte: Você escreve a matéria, a repórter recupera, nós utilizamos a gravação e fazemos uma reprodução das cenas, se você quiser deixar algum texto, contando tudo o que aconteceu, nós utilizamos. Assim que você terminar, pode ir pra casa.

- Tudo bem, tudo bem! – disse mais a mim do que a ele.

Não importa se ele me deu a folga por causa da opinião pública ou porque eu estava abalada, eu precisava desse dia para arrumar meu guardarroupa.

Escrevi a matéria, observei a repercussão que os caras das artes gráficas fizeram e fui embora.

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Todos os textos escritos sao de autoria de Gisela Santana. Por favor divulguem, mas com os necessarios meritos.

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