sábado, 25 de dezembro de 2010

Capítulo 11 - Dia de Folga (parte 2)

Sabe quando você recebe um elogio da professora de história, depois que você acaba de falar a frase do ano, quando se trata do assunto que ela gostaria de ouvir? Bom, foi assim que me senti. Eu não queria ouvir o que ele estava dizendo, por que sabia que ficaria vermelha, mas mesmo assim eu me senti extremamente importante ao ouvir que pudesse ser inspiração para alguém.

Heitor era do tipo que dirigia bem, mas não dava para mostrar seus dons no volante, afinal, estávamos parados na Marginal Pinheiros, e definitivamente alguém tinha que falar. Já que ele queria saber sobre mim...

- Minha irmã Inês, faz faculdade de Publicidade e Propaganda, no interior de Minas Gerais, na UFMG. Morei pouco tempo com a minha família, e ela se mudou há dois anos. – disse, tentando descontrair.

- Eu também moro sozinho. – ele começou - Meu filho tem 14 anos e mora na Inglaterra desde o início do ano, com a mãe dele. Eu nunca estive em casa o suficiente, e ele quis ir estudar lá... por isso...

- Não precisa se explicar! – eu sorri, observando o cachorro que estava dentro do carro ao lado – eu sei bem como é. Quando eu tinha 17 anos, meus pais morreram, num acidente de carro, perto de Salvador. Eu e minha irmã estávamos no carro, mas nos salvamos, graças a minha mãe. Meus avós já eram falecidos e meus pais não tinham muitos parentes... Resultado: eu e Inês acabamos numa espécie de orfanato, dentro de um convento no interior de São Paulo. Assim que fiz 18, herdei a casa dos meus pais e uma tia velha foi morar com a gente, e minha irmã tinha 7. Passei na USP, pra fazer jornalismo enquanto minha irmã, ficou com a Claudette. Assim que eu voltei, com 22 anos e ela ainda com 11 anos. E bom, é mais ou menos isso, ah, e vai fazer quase 10 anos que estou na tevê.

Ele me fitou, tentando entender o que eu havia acabado de falar. Demorou alguns instantes para concluir:

- Espera um minuto... Você tem... 29 anos?

“Merda!” pensei. Qual é o problema ter 29 anos?

- Olha quem fala, você tem quanto? 40? – eu ri.

- Quase isso. Mas, não pense que te achei...

- Velha? Imagina... – ironizei.

- É sério. Achei que você fosse mais nova, mas ao mesmo tempo. Deixa pra lá.

Heitor sabia que se continuasse a falar, iria piorar a situação. Ele me olhava diferente. Também não sei por que havia dito tudo aquilo. Ele não era meu amigo, nós tínhamos apenas uma relação um pouco além de profissional, e eu estava acostumada a entrevistar, e não ser entrevistada.

- Eu sinto muito... – ele disse – Pelos seus pais, e pelo convento. – ele sorriu.

- Não sinta. Eu aprendi muito por lá. Minha irmã foi mais rebelde, mas eu sempre tive a cabeça no lugar. – ri e prossegui – Acho melhor você olhar pra frente...

O carro de Heitor estava parado no meio da Marginal Pinheiros e o fluxo já estava voltando ao normal, e Heitor ainda olhava pra mim, chocado com o que eu havia dito. Depois que alertei-o, foi que ele percebeu o ocorrido. Ficou vermelho no mesmo instante e buzinou para alguns carros que reclamavam pela falha dele.

- Obrigada por avisar.

- Imagina. – disse – Já estamos chegando?

- É bem por aqui. – ele fez uma curva e entrou no Jardim Botânico de São Paulo.

- Jardim botânico? – perguntei confusa.

- Sim. Vamos terminar um clipe.

Um clipe? Ah Senhor! Eu iria ficar horas naquele lugar assistindo Heitor tocar?

- Clipe? – perguntei, já caminhando no jardim.

- Exatamente! – ele parecia satisfeito; eu, desencantada.

Eu seguia Heitor que andava às pressas pelo Jardim. Era um lugar maravilhoso, mas eu nunca estivera lá para curtir o espaço. Todas as vezes que visitava, era para cobrir algum evento.

- Relaxa! – ele disse – procure não pensar no que você poderia estar fazendo. Só aproveite! Ok? – ele sorriu, depois de ver meu aborrecimento

- Ta! – ri, por fim, conformada.

Aproveite? Aproveitar o que? Eu não acreditava que mais uma vez eu imaginei ter um encontro, mas pensa comigo: Como que eu, 29 anos, repórter qualquer de uma tevê que nem se importa comigo quer com um cantor famoso internacionalmente, 10 anos mais velho, lindo e... Bom, deixa pra lá. Eu estava sonhando demais.

Ele se dirigiu a um set improvisado de filmagens. No meio da grama e de diversas flores, um piano de calda descansava embaixo de uma tenda alta, onde possivelmente seria a gravação. Imaginei onde estava o resto da banda, eu só via os Câmeras, a diretora da gravação, conhecida como Rose Gutemberg, Heitor e eu. Ela mal cumprimentou-me e chamou Heitor para conversar num canto:

- Escuta aqui! – ela apontou o dedo na cara de Heitor - Você pediu para fecharmos este lado do parque hoje, e que ficássemos de boca fechada para não avisar a mídia, para não chover de gente por que senão, não iríamos conseguir gravar. E então, você chega aqui com ela? – ela não tinha intenção nenhuma de falar baixo.

- Desculpa Rose, você sabe a consideração que tenho sobre você e sua equipe, mas não me diga o que eu tenho que fazer. – ele falava bem mais baixo que ela, ainda assim, eu conseguia ouvi-lo. Isso fazia uma referência na altura da voz de Rose - Se eu a chamei, é por que quero que ela esteja aqui. Ponto final.

Ela o encarou e finalizou a conversa:

- Quando estiver pronto me avise. Eu retiro a equipe do set, como sempre.

Rose indignou-se e se pôs atrás de uma das câmeras, para confirmar se o ângulo era mesmo aquele, e se estava tudo certo para Heitor tocar sua música no piano. Eu, sentei-me num banquinho branco de praça e fiquei esperando que ele me mandasse sair do set, junto com Rose. Seria mais fácil. Mas ele não o fez.

Rose me fuzilou com os olhos, como quem estivesse com ciúmes, mal sabia ela que eu queria mesmo era trocar de lugar, sair de lá correndo e ir cuidar da minha vida. Heitor sinalizou que ela poderia começar a gravar e sair do set. Pediu que eu fizesse silêncio e perguntou se eu podia desligar as câmeras quando ele terminasse. Aceitei e ele sorriu. Fiquei pensando em como ele era uma pessoa estranha, mas me limitei a ouvir o que ele tinha pra tocar.

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Leia em breve o próximo Capítulo.



Todos os textos escritos sao de autoria de Gisela Santana. Por favor divulguem, mas com os necessarios meritos.

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