sábado, 8 de janeiro de 2011

Capítulo 12 – o som do coração

Meu destino é como almejei. Uma pena eu pensar que seria simplesmente planejando, que o destino estaria em minhas mãos. Mas não, era como nadar contra a maré, segurar-se em uma flor em pleno olho do furacão. Eu me fazia de forte e tinha subido ao alto da torre mais alta de um castelo de areia para me proteger de tudo e qualquer coisa, mesmo sabendo que a qualquer momento eu iria me jogar de lá, cansada de minha própria companhia. E então, seria de lá para o resto dos meus dias, como meu destino previra sem me ao menos me contar.

Heitor estava observando seu piano, como quem observava uma amante. Extrema adoração e sentimento saíam de seus olhos, talvez até um pouco de rancor. Fechou os olhos ao sentar-se no banco, tocou levemente cada tecla, fazendo o som vibrar em meus ouvidos. A acústica não favorecia, mas a intenção era captar a imagem, somente. Fiquei observando seu sentimento a cada movimento, e não pude deixar de perceber como ele era bonito. Seus olhos verdes, feito os meus, livres de qualquer marca da idade. Enquanto cantava, sua boca carnuda se movia com a mesma calma e atenção ao som que ouvia; o nariz fino compunha um rosto perfeito, digno de toda a fama que conseguiu por conta desse rosto delicado. Como pode alguém como ele poder se sentir tão triste, ao ponto de parecer sentir dor ao cantar? Estava cheio de sentimentos guardados, repulsa e ódio. Não pude deixar de me comover.

Ele estava agindo como se eu não estivesse ali, como se estivesse sozinho. Ou estaria agindo daquele jeito por que eu estava ali? Fiquei envergonhada por me achar tão importante a ponto de imaginar que ele poderia sentir por mim o que ele estava sentindo por aquele piano, pela composição ou até mesmo pela musa que o inspirou, e isso me tirou o fôlego. Se não fosse pra mim, por que estaria eu ouvindo?

Aquela música me tirou lágrimas. Piano e voz sempre me agradou muito, mas definitivamente aquele conjunto me deixou em outra galáxia. A voz de Heitor, um piano de calda no meio das flores do Jardim Botânico de São Paulo. Estávamos sozinhos naquele lugar. Vez ou outra ele me encarava, e eu ficava vermelha instantaneamente. Eu só não entendia por que ele fazia isso comigo. há anos que eu não me sentia apaixonada, ainda mais por alguém que nem conhecia direito.

Talvez eu tenha finalmente percebido que escolhi demais. Que as pessoas que eu tanto conhecia, não eram boas o suficiente para mim, afinal, eu já convivia com seus vícios e defeitos. Mas ele não. Até onde eu sabia, ele era um cara excêntrico, romântico à la roqueiro, do jeito que eu gostava, e estava me conquistando. Como eu poderia deixá-lo? Quem seria eu se continuasse a me aborrecer por conta de não estar em casa, cozinhando para mim e para um cachorro, em vez de ouvir a mais bela música cantada – aparentemente – para mim, e meu grande ego, é claro.

Assim que ele terminou, levantei-me lentamente e desliguei as quatro câmeras que o filmava em ângulos diferentes. O ar me faltava no peito, e isso era visível em mim. Heitor olhava fixamente para o piano. A grama silenciosa não permitiu que ele ouvisse meus passos na direção dele.

Encostei-me no canto do piano e o som do meu coração poderia ser ouvido por todo canto, quando eu pronunciei:

- O que você pretende? – um frio correu minhas veias quando pensei que Heitor estaria ouvindo também, o baque frenético do meu coração.

Ele se levantou e me encarou por um instante. Minha nuca estremeceu e ele segurou minha mão, acariciando meus dedos com delicadeza e vi seus braços se arrepiarem, assim como o meu, e ele me beijou.

Eu tive todas as sensações possíveis ao mesmo tempo. Ele tocava meus lábios delicadamente segurando minha cintura com firmeza e me fazendo sentir que a qualquer momento ele poderia nos derrubar no chão.

Meu sangue pulsava violentamente e eu o beijava com intensidade. Já não me importava se o barulho que fazia poderia ser ouvido por Heitor ou qualquer outra pessoa. Meus pés se elevaram do chão e Heitor me segurava no colo, levando-me ao piano. Ouvia a música que ele acabara de tocar, e tive a certeza que, mesmo que a música não tivesse sido criada pra mim, naquele momento ela estava sendo tocada pra mim. Ouvia também sussurros em minha cabeça, alguns implorando para não fazer isso, outros me insultando, outros até, reafirmando minha vontade de beijá-lo. Por vezes, parecia que ele estava sentindo dor, mas não deixou que isso o abalasse. Eu também senti um aperto, um sentimento estranho passar por mim, uma vontade de tê-lo, sobrenaturalmente. Abracei-o com todas as minhas forças, como se tivesse medo de sua ausência, de que fosse embora. Eu não era assim, mas estava prestes a atacá-lo, como se existisse uma força maior que a minha, que quisesse ter Heitor mais que a mim mesma, e isso fez me sentir mal.

Larguei-o repentinamente, e me senti bem. O rosto de Heitor exprimia repulsa. Como se o beijo jamais pudesse ter acontecido. Nos encaramos por um tempo e ambos quisemos não ter passado por essa situação:

- Desculpe – Heitor me disse visivelmente arrependido –, EU não devia ter feito isso.

Eu só o observei. De fato, queria que ele me beijasse, mas não que isso o fizesse mal. Não estava em questão ele me pedir desculpas; bastava ele não comentar e me beijar novamente, ou não repetir a situação, já que fora tão ruim. Ele percebeu a minha reação e se desculpou novamente:

- Carol? – ele me olhou – Não quis dizer isso. Na verdade, isso não deveria ter acontecido mesmo. É complicado...

- O que é complicado, Heitor? – perguntei, confusa.

- Tudo! É difícil explicar! – ele finalizou.

- Ta certo. – respondi, torcendo o lábio – eu vou pra casa.

Ele não me segurou e nem pediu para que ficasse. Voltou para seu piano e debruçou sobre ele, como se fizesse parte dele. Eu me distanciei dele e estava prestes a chamar por Rose, quando lembrei que estava sem carro:

- Você fez isso de propósito? – eu virei para dizer a ele.

- O quê? – ele me olhou e um sorriso voltava a aparecer em seu rosto.

Eu respirei fundo e não respondi. Só pela cara que ele fez, sabia que ele estava zombando de mim. Chamei Rose e sentei-me naquele mesmo banco.

- Só um minuto, Carolina – Heitor pediu, ainda sorrindo – Eu já te levo.

- Tudo bem. – tentei ser simpática, na presença de Rose e a equipe.

Ele fechou mais alguns detalhes com a Rose Gutenberg, e saímos. Eu estava profundamente chateada, mas o que eu poderia fazer? Ele era um cara famoso que quis fazer graça com uma repórter apaixonadinha.

No carro, não falávamos nada por um tempo. Mais uma vez, o trânsito da marginal nos fez ficar entediados.

- Carol, - ele começou – desculpa. Mesmo!

- Para de se desculpar! – eu falei, aborrecida. – Eu não sei por que você está assim, tão arrependido. Foi um beijo. Só isso... – eu despejei a falar – Quando isso acontece, você não precisa deixar claro que se arrepende, você simplesmente fica quieto e não faz de novo. Pode ser assim? – gritei, enquanto ele me ouvia – Poxa, por que você me trouxe aqui?

- Você não entenderia – ele disse, e sua voz calma contrastava a minha – eu te chamei pra sair, porque eu realmente quero você por perto. Mas não achei que fosse fazer isso, e não devia.

- Não devia? Sei. – emburrei – Tudo bem então. Pode me deixar em casa?

- Não quer tomar um café?

- Não!

- Tudo bem. Eu te levo.

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