domingo, 12 de dezembro de 2010

Capítulo 10 – Furo de reportagem

Heitor nos deixou na avenida e correu para sua casa, para buscar seu carro. Pela direção que ele foi, ele morava à, no máximo, dez minutos da minha casa. Quando ele voltou, o carro da TV Publish já estava gravando no local, com um dos repórteres que cobria as notícias policiais. Ele era alto e forte, do tipo galã de cinema, mas estava assustado.

Uma coisa é um repórter fazer matéria através de boletins de ocorrência, outra é estar na cena do crime, minutos depois de tê-lo ocorrido. O nome dele é Leandro Martinez, trabalhava no ramo desde sempre. Pelo menos era o que eu ouvia dizer.

Heitor estacionou o carro e entramos. Era uma Mercedes C63, preta. Fiquei com uma mega dó ao deixar Thor entrar e sujar o banco de trás do carro, mas Heitor pouco se importou.

Passamos a noite na delegacia. Eu, Thor e Heitor viramos personagens de uma matéria que rendeu bastante, principalmente pelo fato de que uma repórter quase havia sido sequestrada e estava junto de Heitor Purgatto, músico famoso que, coincidentemente havia feito algumas matérias com essa mesma repórter. Só de imaginar, isso poderia complicar minha vida, e a dele.

O sangue no corpo de Thor serviu para fazer o DNA de um dos sequestradores, e a filmagem, a placa do carro, serviu para descobrir os outros.

O casal sequestrado foi identificado: Anastácia e Gabriel Javan, casados há seis meses, jovens, donos de uma pequena papelaria na Zona Leste da Grande São Paulo. A princípio, nada que motivasse o sequestro deles, não eram de família rica ou conhecida, e pelo contrario, moravam há pouco tempo em São Paulo.

Eu fiz uma matéria sobre o caso, Heitor fez uma música. Thor tomou um belo banho e minha caixa postal só tinha mensagens de Inês. Apressei-me para respondê-la quando tive um tempo:

- Eu estou bem Inês – afirmei, antes que ela perguntasse.

- Disso eu sei! Eu quero saber do Heitor – eu não acreditei que ela realmente estava preocupada.

- Do Heitor? – ri – ele também esta bem.

- E, como você me explica esse encontro entre vocês três?

- Ah! – gritei ao telefone – Você é muito... – indignei-me, não consegui responder - Eu lá devo satisfações a você? – provoquei.

- Satisfações não. Mas quem sabe um pouco de consideração... – ela ironizou – se não fosse por mim, você não teria se encontrado com ele.

- E nem visto um sequestro ao vivo – retruquei – e muito menos causado esses problemas com pessoas que ACHAM – sibilei – que existe algo entre nós.

- Pode ser que não tenha, mas ainda vai acontecer. – ela pausou – E a matéria. Conseguiu?

- Inês... Eu, não consegui a matéria.

- Mas você é mesmo... – tive que interrompê-la, antes que ela dissesse que eu era incompetente.

- consegui algo melhor!

- Ah é? – ela ficou eufórica – O quê?

- Sabe, eu soube que a banda contratou um novo...

- ... Baterista – ela me interrompeu – Augusto Cabral, 20 anos, todo gatinho e tal... – ela riu – Também já estou sabendo.

- Pois então. Quer ser a primeira a conhecê-lo em um jantar? Tipo... Eu, você, Heitor e o Baterista.

- Isso ta com cara de encontro! – ela disse

- Pode ser, mas a idéia não foi minha. Foi do próprio Heitor.

- Então pra mim fechou! – ela riu – quando?

- É então... – eu me recordei - Foi mais ou menos nesse ponto da conversa que aconteceu o sequestro.

- Malditos sequestradores – ela insultou-os baixinho.

Rimos por algum tempo. Era bom tratar Inês como irmã novamente. Ela se lembrava pouco de nossos pais e a nossa ligação era muito forte. Só tínhamos uma à outra, e esses momentos distantes estavam sendo um sufoco para nós duas.

§§§

Ouvi Lucy me chamando quase desesperadamente, como se estivesse sentindo dor. Com medo, subi as escadas e abri a porta do quarto:

- Lucy? – perguntei, mas não obtive resposta.

Ela estava de pé na cama tentando pentear com a mão os cabelos já sem vida. Lembrei-me de como eles eram lisos e sedosos, não passavam dos ombros, e hoje, eles ultrapassavam a cintura, com os fios entrosados um no outro. Via seus dedos passando por eles, às vezes arrancando um ou outro fio. Esgotada, Lucy olhou pra mim com seus olhos pretos, e eu me arrependi de ter entrado no quarto.

- Heitor, eu não aguento mais! – Lucy resmungou – esse quarto é muito branco. As luzes do dia me cegam. Por que você não coloca cortinas negras, como meus cabelos?

- Não vou fazer isso. Você precisa do calor do dia, de escuro já basta a noite.

- Por favor... – suplicou – Meus olhos queimam!

Eu não a olhava nos olhos, mas algo me chamava naquele olhar, como um imã. Mas eu sabia o que aconteceria caso ela conseguisse me olhar nos olhos, negros por completo. Eu não me movia, deveria sair dali, o mais rápido possível, porém, continuava estático.

- Eu... Eu, vou trazer seu almoço – disse, procurando a maçaneta da porta.

- Eu não quero comer! – Lucy gritou – Não tenho fome! Pra quê comer se eu vou morrer nesse quarto? Olha pra mim, eu não preciso de comida.

Eu tentava não ouvi-la, para não olhá-la, assim que encontrei a maçaneta, sai do quarto, a deixando sozinha.

Minhas mãos tremiam, meu sangue pulsava na garganta e a respiração tendia a não me obedecer. Não aguentaria por tanto tempo. Preferia não precisar entrar lá, falar com Lucy... Mas ela precisava de mim, quando era ela mesma, e eu tinha que correr o risco. Encostado na porta, uma lágrima quis sair dos meus olhos, mas eu engoli o choro como sempre fiz. Não deveria chorar, não naquela situação. Desci as escadas e preparei o almoço dela, me preparando também, para enfrentar a fúria de Lucy bipolar, que gritava incessantemente, transformando meu dia em terror.

§§§

Cheguei na redação da TV Publish no dia seguinte, com a matéria em mãos, na íntegra. Não falei com nenhuma outra TV, ou qualquer outra mídia. Heitor também não falara com ninguém, não por que foi exclusividade nossa, mas porque ele não se sentia em condições.

Mas não foi bem um “bem-vinda” que eu recebi por lá:

- O quê você está fazendo aqui? – perguntou Mauro a mim – ninguém te disse que poderia pegar o dia?

- Não. – sentei-me na minha mesa – eu posso?

- Claro! – exaltou-se – você passou a noite na delegacia, depois de ter testemunhado um sequestro, você deve ir pra casa.

- E vocês vão perder a matéria? – eu perguntei a ele – Não dá! Se eu não aparecer na tevê hoje, contando a história na minha versão, outras histórias vão surgir.

- Do que você está falando? – ele disse.

Mauro não sabia com quem eu estava na hora do sequestro, era por isso que não entendia porque eu estava disposta a fazer a matéria. Ele coçou a orelha esquerda, como sempre fazia quando estava nervoso, e continuou:

- Entenda uma coisa, Carol. – ele sentou-se ao meu lado – Se você aparecer na tevê hoje, por mais que você conte a sua história, na sua versão, seja lá qual for, a opinião pública não vai cair em cima de você, mas em cima de nós, por deixarmos uma pessoa se expor dessa forma depois de presenciar um sequestro. Entende o tamanho do problema?

Ele não estava pensando no meu estado abalado depois de tudo que passei. Se bem que eu também não havia pensado em mim, no meu estado emocional. Na realidade, estava preocupada com o que diriam se a reportagem contasse que, na hora do sequestro, eu estava acompanhada de Heitor, passeando com meu cachorro Thor. Mauro pensava somente no que a população iria achar da tevê que deixa uma pessoa trabalhar depois de ser testemunha de um sequestro. Como se os sequestradores fossem me matar por contar a história verdadeira...

O grande problema foi que essa última frase, eu pensei alto:

- É exatamente isso que a população vai pensar. Que estamos expondo você simplesmente para ter audiência. – Mauro olhava pra mim, profundamente – Vão pensar que poderíamos colocar qualquer pessoa para fazer essa matéria, mas colocamos você. E de fato, podemos colocar qualquer pessoa. Você vai pra casa, tudo bem?

- Posso pelo menos dar uma entrevista para essa substituta? – eu me conformei.

- Estou pensando nisso ainda. – ele coçou a orelha esquerda – Vamos fazer o seguinte: Você escreve a matéria, a repórter recupera, nós utilizamos a gravação e fazemos uma reprodução das cenas, se você quiser deixar algum texto, contando tudo o que aconteceu, nós utilizamos. Assim que você terminar, pode ir pra casa.

- Tudo bem, tudo bem! – disse mais a mim do que a ele.

Não importa se ele me deu a folga por causa da opinião pública ou porque eu estava abalada, eu precisava desse dia para arrumar meu guardarroupa.

Escrevi a matéria, observei a repercussão que os caras das artes gráficas fizeram e fui embora.

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Leia aqui o próximo capítulo




Todos os textos escritos sao de autoria de Gisela Santana. Por favor divulguem, mas com os necessarios meritos.

4 comentários:

  1. É impossível parar de ler! E é impressionante como o enredo prende a atenção! A história é apresentada de uma forma contínua, sem acontecimentos jogados e perdidos no contexto. Muito bom, prima! E permita-me dizer que fará um grande sucesso se não igual, muito maior que o primeiro! A escrita é igual e o modo como voce utiliza as palavras é muito parecido com o primeiro mas a temática é muito bem desenvolvida e cativante, sem dúvida! Meus parabés e quero ler muito mais, estou esperando ansiosa! Beijos, meu orgulho! *-* -Má-

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  2. Má! vc sempre da uma olhadinha nos meus experimentos... o 'M Miojo critica o Cientista, o Cientista Critica o M Miojo', lembra? hahaha, bons tempos. pelo menos não nos criticamos mais!
    saudades ♥

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  3. IUSHFUSAIFHUIAUI
    eu lembro siim . rs
    claro, mas ée, agoora se existem as criticas saão sempre construtivas *-*
    SAHFIUSHUI

    TO DEVORANDO OS CAPITULOS, rs ♥
    sdd -Má-

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  4. Arrumar o guarda-roupa... kkk... Que viagem, e é pra viajar mesmo, né? Ou Carol vai fazer isso de verdade? Quanto peso teve esse acontecimento pra ela. Hahaha! Carol queria mais era ter saído com Heitor...

    Desculpa pela demora da visita. Até o próximo trecho. =D

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