domingo, 5 de dezembro de 2010

Capítulo 9 - Explicações

Eu estava vermelha. Sentia as maçãs do rosto pulsarem como se um hematoma ocupasse toda a parte maciça de meu rosto e eu sentia vergonha de ter dito o que disse. Nos minutos de silêncio, dezenas de perguntas se formaram em minha cabeça. Ele estaria me achando uma repórter qualquer, que fazia tudo para ter uma informação que pudesse acabar com uma pessoa? Mal sabia ele que eu era diferente, que mesmo que Heitor tenha problemas, o problema é única e exclusivamente dele, então por que eu não o deixo em paz? Seria tão fácil deixá-lo e simplesmente acompanhar o que a própria assessoria manda. Mas não. A idiota repórter metida à enxerida sempre quer mais.
Eu o vi me observar por alguns instantes, e meu coração saltou pela garganta algumas vezes, enquanto eu tentava imaginar o que ele estaria pensando.

- Olha – ele começou, me deixando mais nervosa – Eu só quero entender uma coisa. – ele parou de andar para sentar na escadaria do fórum trabalhista – Imaginei, primeiramente, que você estivesse interessada em fazer uma mega matéria sobre mim, pois fiquei sabendo que tanto para a tevê, quanto para mim, os resultados da mídia foram bons.
- A princípio era...
- Mas aí então, você me faz responder coisas que não deveria, e você tem informações sobre mim que recebeu de sua irmã, e mesmo com tudo isso em suas mãos, não falou nenhuma vírgula na mídia.

Eu abri a boca para falar, mas não consegui achar as palavras. Ao invés de esperar uma resposta, ele continuou:
- O que eu não entendo, é, por que sua irmã te deu essa informação, por que você veio falar comigo se sua intenção não era me ferrar por completo.

Ele falava com sinceridade, e meu coração doía, doía porque eu não sabia exatamente a resposta de tudo isso, só sabia que ele havia me pedido, e por isso não havia feito.
- Você pediu... – entre as milhares de coisas que se afundavam em minha cabeça, essa foi a única que consegui pescar.
- Eu sei que pedi! – ele disse alto, o que fez Thor observá-lo com desdém. – Mas isso não faria você parar, se realmente quisesse...
- Claro que não Heitor – disse, recuperando a voz – se eu disse, vou cumprir.

Ficamos em silêncio por mais alguns minutos e eu vi seus olhos verdes se curvarem para impedir que o farol do carro cegasse seus olhos. Ele parecia tenso, mas ao mesmo tempo aliviado.

- Do que você tem medo, Heitor? – perguntei, depois de recuperar a cor levemente branca em meu rosto
- Medo? – olhei para ela sem entender.
- É! No que aquela reportagem pode te prejudicar?
- Não sei. Às vezes eu temo o poder da mídia. – ele disse – e de como a opinião pública muda rápido. Ao mesmo tempo que eu posso ser herói hoje, amanhã eu posso ser o vilão. Não estou preparado para mais problemas...

Na verdade, tudo isso queria dizer que ele tinha medo de mim: J-o-r-n-a-l-i-s-t-a. No fundo, ninguém confia em jornalista. É claro que existem exceções, mas de uma maneira geral, eles vivem para trabalhar e acabam fazendo isso de uma forma tão natural que toda boa notícia deve ser publicada, sendo que por vezes, isso pode prejudicar alguém, ele tem razão de temer a mídia, nem eu confio nela.
Olhei pra Heitor, ele estava tão atordoado. Eu não era tão crápula quanto parecia, e sinceramente eu não faria isso com ele.
- Eu não te prejudicaria – eu disse.
E era verdade, não queria ferrar alguém que está no auge, como muito jornalista que conheço faz. Ele parecia ser legal, e minha irmã não me perdoaria.
- Obrigado, – ele disse, sorrindo – Mesmo!
Nós caminhamos lentamente por alguns segundos sem falar uma palavra sequer. E eu lembrei que havia esquecido da minha irmã:
- Nossa! Que bom que você me ligou. – disse, e ele não entendeu – Falei tanto da minha irmã, esqueci de comentar que ela tem um fã clube seu...
- Sério? – ele disse.
- É sim. Você não imagina as loucuras que ela já fez pra assistir aos seus shows. – eu ri, tentando desconversar.
- Isso explica muita coisa... – ele sorriu, e vi que ele estava menos preocupado de saber que a espiã era só uma fã maluca.
Eu aproveitei que seu sorriso voltou a ser cativante e tentei jogar um charme pra ele. Se eu não pudesse dar a ela uma matéria na íntegra sobre a vida do cantor, o quê eu daria?

– Ela queria um autografo seu. – prossegui.
- Ah, um autógrafo? – Heitor questionou – Tudo bem. – ele desmotivou-se
- O quê? – eu disse, tentando descobrir sua intenção.
- É que eu estava pensando em algo diferente.
- A é? – perguntei.
- Você ia dar a ela um relatório completo sobre mim, vindo da minha própria boca. Você acha que ela vai aceitar um autógrafo?
Parei pra pensar e conclui que ela realmente não aceitaria. Imaginei Inês aguardando o envio da matéria, com áudio e tudo que pudesse extrair do cara e eu entregando a ela um autógrafo. Ela ia me chamar de incompetente e conseguiria ela mesma furtar muito mais informações dele.
Heitor me viu rindo, ao saber quão idiota eu estava sendo, em tentar enganar uma fã desesperada, e eu sabia que, mais que isso, ela estava se tornando uma publicitária, ou seja, uma pessoa que jamais perde. Principalmente Inês.
- Talvez pudéssemos sair juntos. Nós três. – ele sorriu – sem o cachorro.
- O nome dele é Thor. – falei, simpaticamente – Nós três? Sair? Bom, isso é um convite, não é? – eu ri, confusa. – Então tudo bem, mas será que vai ser legal?
- Quantos anos ela tem?

Fitei-o por uns instantes.
- 18. – respondi, encarando-o
- Legal. – ele riu.
- Como assim “legal”? – desconfiei.
- Ah, não, desculpe. Você entendeu errado. – ele riu outra vez – É que temos um novo baterista na banda, e ele tem 20 anos. Ela vai gostar de conhecê-lo, e quem sabe isso não bomba o fã clube dela, e ela nem vai se importar em não saber sobre mim, não acha?
- Ótima ideia! É melhor assim. – eu ri da cara dele.

Ele sorriu em silêncio por mais alguns instantes. Thor estava cansado de ficar parado, e eu sugeri que andássemos um pouco mais, para o lado oposto do qual tínhamos caminhado.
- Preciso de ajuda. – ele sorriu pelo canto da boca, um pouco tenso.
- Que tipo de ajuda? – perguntei.
- Do tipo que você me ajuda a não ter problemas com a mídia.
- E o que eu ganho com isso? – eu ri, duvidando de suas intenções.

Eu já sabia que ele tinha problemas, mas não sabia quais e nem os porquês. Mas, havia concordado em não contar pro mundo que ele realmente estava mal. Será que ele estava, de fato, confiando a mim uma tarefa que não se confia ao melhor amigo? Ele não me conhecia, como pode saber o que eu sou ou não capaz de fazer?

- O que quiser! – ele disse, voltando a ficar sério.

Seu olhar era profundo, e eu não sabia direito o que ele queria dizer com isso. Já havia feito duas investidas em mim, pelo que eu imaginava. Será que ele estava realmente interessado em mim? Meu coração disparou só de imaginar o que isso poderia resultar. Eu e ele? Como assim?

- Tudo bem, mas eu vou pensar no que eu quero.
- Fazer amizade com a mídia é um bom negócio, para mim, é claro! – ele riu, e eu também.

Nesse momento, um casal que estava caminhando a nossa frente foi abordado por três homens armados, que os levaram para dentro de um carro que tinha acabado de parar na guia do calçadão.
Tudo aconteceu muito rápido. Eu soltei Thor da coleira para procurar meu celular e ele correu atrás de um dos caras, eu gritei para Heitor gravar a placa do veículo e liguei para a TV Publish:
- A Lívia, por favor. É a Carol. Rápido!
- Ok.
- Redação Lívia.
- Oi Li, é a Carol, anota isso: Estou no calçadão da Av. Paulista, na altura do número 354 e um casal acaba de ser sequestrado bem na nossa frente. Peraí, peraí... O Thor mordeu um dos caras! - eu distanciei o telefone – Heitor, já ligou pra polícia? – voltei para o telefone depois que ouvi dizer que sim – Lívia, o Heitor já ligou para a polícia... É caramba! Heitor, ele mesmo! Esquece esse lado! – respirei bem fundo, esperei ela fazer o comentário e prossegui - manda alguém pra cá. Eu tenho a placa e o modelo do carro.
- Ta bom. Vou avisar, aguarda aí na linha. – Lívia me deixou na linha e já passou para o departamento de imagens.
Quando voltou para o telefone, me confirmou que alguém já estava a caminho. Quando olhei para Heitor, ele estava gravando a cena pelo celular. Thor havia imobilizado um dos homens enquanto os outros dois caras levavam o casal, encapuzados para dentro do carro.
Vi que o vidro do motorista começava a baixar e o cano de calibre 50 apontava para Thor, sem pensar duas vezes eu gritei:
- Thor, larga! Vem aqui agora! – desesperei-me.
Thor saiu correndo e veio até mim, dando tempo suficiente para que o outro sequestrador, que estava no chão, corresse e entrasse no carro, e eles foram embora.
Abracei Thor e o vi todo ensanguentado. Nenhum ferimento, graças a Deus. Thor havia atacado o cara sem arma. Heitor tinha parado de gravar e disse:
- Ainda bem que não é um poodle. – ele sorriu sarcasticamente - vamos para a delegacia.
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Leia aqui o próximo capítulo.




Todos os textos escritos sao de autoria de Gisela Santana. Por favor divulguem, mas com os necessarios meritos.

2 comentários:

  1. Nossa, como a história cresceu. Onde será que isso tudo vai dar?

    Sabe, ler Quimera me deu vontade de escrever Entre a Fé, a Razão e o Coração, terá sido a presença de Heitor? A descrição dos olhos verdes sob a luz do farol do carro foi perfeita. Tudo está indo muito bem, parabéns!

    PS. Você trocou de narrador aqui:

    - Do que você tem medo, Heitor? – perguntei, depois de recuperar a cor levemente branca em meu rosto
    - Medo? – *olhei para ela sem entender*.

    Beijos!

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  2. Nossa, é mesmo! ta vendo como outros olhos veem muito mais erros? hahahahaha
    obrigada pelo elogio à historia, e que bom que despertei a vontade de escrever o entre a fé em vc... espero que dê bons resultados? rsrs

    beijinhos, vou corrigir o trexo.

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