domingo, 17 de outubro de 2010

Capítulo 1 – A delícia do cotidiano

ATENÇÃO: O capítulo abaixo fora dividido em duas partes, a segunda, encontrando-se com o nome de Coisas de Irmãs, e, as alterações do capítulo, resumindo-se em idades e datas específicas se encontram em vermelho, para quem já tenha lido, conferir quais são as tais mudanças. Se você é novo leitor, pode ler de cabo a rabo, sem medo de ser feliz!

Obrigada pela leitura e aproveitem!

_______________________________________________________
- Carol! – a chefe de reportagem me chamou do outro lado da sala – já olhou sua pauta de hoje?
- Acabei de ver! – eu disse, olhando a tela do meu computador.
- Já Conhece o cara?
- Não muito, vou ligar pra assessoria.
- Faça isso. – ela concluiu.

Heitor Purgatto era meu entrevistado do dia, cantor e compositor da banda “The Finalap”. Brasileiro, morava na Inglaterra com sua família desde que sua banda começou a fazer sucesso internacionalmente, há sete anos, e, desde então, não fez nenhum show no Brasil. Foi divulgado que ele se apresentaria naquela noite uma casa de shows de alto padrão, para pouquíssimos convidados. Eu iria cobrir o evento. Depois que liguei para a assessoria dele, Mauro, o editor da TV Publish aproximou-se de mim:

- Preciso fechar a matéria às três da tarde. Você consegue?

Vi as horas pelo canto do computador e assenti, afinal, ainda era de manhã. Qualquer entrevista, quão demorada fosse, não levaria o dia inteiro, muito menos o meu humor.

- Ok. Vou ligar pro câmera.

Meia hora depois, eu e o Luiz já estávamos onde o Heitor faria o show. Um lugar elaborado para ser chique e dark ao mesmo tempo. Obscuro e sensacional, eu diria. Paredes e luzes avermelhadas, no palco havia um piano um tanto nostálgico, solitário.
Vimos a banda entrar no hall, onde faríamos as entrevista. Sim, vimos – eu e mais outras cinco emissoras de TV e mais dezenas de agencias de jornais impressos estavam no local. Era de uma ingênua tolice achar que eu era a única no local.
Heitor, roqueiro, 39 anos, cabelos pretos e lisos, na altura dos ombros, talvez mais curto. Diante das dezenas de flashes que ofuscavam sua vista, seus olhos verdes intensos munido de um sorriso cativante que sorria para todos enquanto via seus colegas da banda fazer gracinhas para as fotos fez minha cabeça girar. De fato, ele percebeu, pois passou brevemente o olhar para mim, como se fosse me segurar de um possível desmaio. Para não pagar o maior mico, tomei vergonha na cara e fiquei na minha.
Não sei por que cargas d’água eu tinha ficado assim, já havia ouvido uma música ou outra, mas nada que me motivasse daquela forma. Sentia que eu precisava falar com esse cara, que ele tinha algo diferente para me contar, e devia ser só pra mim. Mas também não sei dizer o porquê disso tudo.
Dezenas de perguntas feitas por todos os repórteres no local foram gravadas por Luiz, “O Câmera”:
- Vamos! – ele me chamou depois que o baixista da banda finalizou a entrevista.
- Não! Espera aí um pouco. – disse a ele – “guenta” aí.

Eu sorri e saí do meio dos repórteres que começavam a ir embora. Lentamente, fui me dirigindo à saída oposta do show. Fui barrada pela gentil moça da limpeza:
- Desculpe, eu já limpei esse pedaço, preciso que você saia pelo outro lado – ela apontou para a multidão que saía.
Eu olhei para a placa que informava: “Piso molhado” que a moça tinha acabado de colocar. Olhei para Luiz, e ele parecia impaciente. Não liguei muito e continuei:
- Mas moça, eu tenho claustrofobia, não consigo ficar muito tempo no meio de multidões. – menti.
Ela olhou pra mim e sorriu:
- Ah! Então sobre você que comentavam lá dentro.
- Comentavam? De mim? – perguntei, me esquecendo do vexame que quase causei.
- É – ela sorriu – não foi você quem quase caiu?
Quase caí? Pra mim eu tinha ficado um pouco tonta, e só. Bom, pelo menos isso fez com que ela me deixasse entrar. Luiz me seguiu assim que ela deixou o caminho livre.
Avistei três homens que estavam respondendo às nossas perguntas e um outro que assistia a entrevista passando pelo corredor, temi quando esse outro me avistou, e mudou seu rumo para se aproximar de mim:
- O que estão fazendo aqui? – reconheci-o como o produtor da Finalap.

Gaguejei algumas vezes, tentando achar uma resposta plausível para não ser expulsa de lá. Mas, antes que pudesse falar qualquer coisa, vi duas cabeças aparecendo no corredor e observando a situação, e ouvi passos que desejei ser de Heitor, e era:
- Deixa disso, Valter – disse Heitor, tocando o ombro do produtor – é a moça do desmaio.
A banda riu de mim, e pouco me importei. Vi que o produtor não estava muito contente, mas assentiu, e liberou a passagem.
- Pois não? – disse um dos integrantes da banda.
- É que eu... Tenho umas perguntinhas. Importam-se?
- Mais perguntas? – perguntou o produtor – Eles já responderam demais, não acham?

Eu o fitei. Queria socá-lo, mas se fizesse isso, não conseguiria perguntar o que realmente estava em minha cabeça. Ao invés disso, sorri aparentemente sem graça. Eles se olharam por uns instantes, Heitor tomou a conversa:

- Serão muitas perguntas? – perguntou
- Depende, se você respondê-las. E então?

Ele sorriu e assentiu.

A entrevista rolou como imaginávamos. A banda se dirigiu até o final do corredor, onde supostamente seria o camarim – ou parte dele – e Luiz ligou a câmera novamente, colocando-a de um modo que meu perfil e os três integrantes pudessem sair. Fiz as perguntas certas, na hora certa. Heitor, Carlinhos e Ugo contaram como a banda começou: com 16 anos, em 1987, eles formaram uma banda punk sujo de garagem, mas só fez sucesso depois que suas novas músicas foram incrementadas com uma dose de terror. Letras que falam de sonhos e pesadelos que ele tem frequentemente; vida e morte, anjos e demônios, depressão e prazer, o definhamento e acomodação das pessoas, alterações de humor... Tudo isso com um som carregado de técnicas e emoções. Por conta disso, eles acabaram mudando-se para a Inglaterra, onde a transformação se deu graças às novas letras, agora todas em inglês, que passaram a compor:
- O que te fez começar a compor músicas neste estilo? – perguntei a ele, enquanto o Luiz gravava ao meu lado.

Ele me observou apreensivo. Não sabia qual o motivo, mas ele estava nervoso.

- Em um determinado momento, que não me recordo muito bem quando foi, comecei a ter sonhos estranhos, me deixaram um pouco diferente do que costumava ser.
- Como assim, diferente? – perguntei.
- Eu era um adolescente que não lutava por causa nenhuma. Tocava por que achava legal e o som estilo punk revoltado não significava nada pra mim. Cresci, e não mudei, continuei com o mesmo estilo e sem perspectiva de crescimento. Quando vieram os sonhos, eu passei a me situar, descobrir qual é o meu destino.
- Então você acredita que os sonhos melhoraram a sua vida?
Carlinhos batia os pés no chão visivelmente alterado. Eu imaginei que ele pudesse ser o baterista da banda.

- Claro que não! – Heitor passou a mão nos cabelos, a fim de alinhá-los – Quem gosta de pesadelos? – ele me observou - Eu vivia intensamente, antes destes sonhos... Agora eu acordo para compor, já não me importo muito com o que eu realmente sonho e o que isso pode significar, agora eu só uso e abuso deles para fazer minhas composições.

Eu observei os olhos verdes de Heitor olharem para um ponto fixo, nem pra mim, nem pra câmera, e aos poucos, os movimentos dele ficaram lentos, assim como os meus.

- Desculpa, não ficou muito claro. – eu me atrapalhei - Você prefere uma vida intensa, mas sem causas para lutar, ou prefere continuar tendo esses ‘pesadelos’, e lutar por essa causa que comentou?

Ele me observou e estralou os dedos da mão, e a sensação me fez arrepiar as costas:
- Eu não sei dizer o que é melhor pra mim. Como disse antes, era fácil viver aquela vida, mas não havia sentido. E outra, as minhas composições, a minha depressão fez minha música ter sucesso, e sustento para mim e minha família.

Depressão? Lembrei de Lucy, ex-mulher dele, que também vivenciou a depressão:

- É fato que sua mulher Lucy... Ou melhor, ex-mulher também teve depressão. Você sabe dizer se foram os seus sonhos que te deixaram depressivos, e consequentemente Lucy, ou foi o contrário?
- É claro que quando se convive num ambiente depressivo, você acaba sendo influenciado. Mas não pense que Lucy foi a responsável, que ela me pôs pra baixo... – Heitor suspirou, olhou pra cima, procurou as palavras certas e concluiu - Eu não sei dizer em que ponto a minha depressão era só minha, e a dela só dela, e quando isso se tornou uma coisa nossa.
- Vocês se separaram por conta dessa depressão?

Ele parou novamente, e eu começava a pensar em findar a entrevista, ele não parecia bem. Mas ainda assim prosseguiu:

- Na verdade, terminamos depois que ela se curou. Ela achou melhor mudar-se com meu filho para o exterior, para que nós dois juntos não definhássemos Ian. Pense comigo: Como dois depressivos cuidariam de uma criança, até então normal?

Uma situação mais que difícil, escolher viver com a depressão, perder sua família, mas, será que valeria a pena:

- Você acha que vale a pena? – perguntei, com um nó na garganta.
- Não sei, mas por ora é o que escolhi pra mim... – ele sorriu, me deixando aliviada – Mas, não quero falar sobre isso...
- Tudo bem. – assenti, já sabendo o suficiente – Já sobre sua carreira, pretende continuar com o mesmo estilo excêntrico de compor?
- Com certeza! – ele riu – Fiquei famoso graças a esse novo estilo, e as pessoas gostam de ouvir. Acabei criando certa facilidade para escrever música assim. Não é um estilo comum, não é?
- É, realmente não é! – confirmei – E o Brasil? Estava com saudades?
- Olha, o que eu posso dizer é que temo por talvez não querer mais voltar para a Inglaterra!

Rimos e concluímos a entrevista. Heitor era uma pessoa excêntrica. Se ele ainda tinha pesadelos, ainda era depressivo, conseguia usar isso para compor suas músicas, uma melhor que a outra. Estranho mesmo é pensar como uma pessoa prefere viver em depressão para ter sucesso. Uma sensação de pena tomou conta de mim enquanto nos despedíamos.
Não havia mais ninguém lá, exceto pela moça simpática que terminava sua limpeza no salão do show. Ela sorriu e acenou pra mim, enquanto eu saia do lugar tentando não pisar onde já estava limpo. Quando chegamos no carro, o motorista estava cochilando, despreocupado, e Luiz disse a mim que já havia comentado nossa ausência a ele. Este seria o motivo da breve “dormida”. Assim que Luiz entrou com os equipamentos, avistei Heitor se aproximando, apressadamente. Ele chegou, respirou fundo, talvez, querendo saber o que ele iria me falar:
- É – ele pigarreou – Qual é o seu nome? – ele não sabia explicar a própria atitude – Me desculpe, não assisto TV aqui no Brasil. E, eu preciso repassar isso pra assessoria, eles vão me matar se eu não souber quem me entrevistou. – ele riu, desconcertado.
- Carolina – dei a mão para cumprimentá-lo – Heidegger.
Ele me deu a mão, cumprimentando-me. Aproveitei para agradecer.

- Obrigada pela entrevista, Heitor – disse, ainda segurando sua mão
- De nada – ele sorriu – quando precisar...
- Não, eu estou falando sério! – eu sorri – a entrevista rendeu bem, mais do que imaginava.
- Como assim? – ele questionou, encostando-se no carro.
- Cá entre nós – eu sussurrei – normalmente, os artistas não gostam da mídia... – eu ri – às vezes, eles até tem motivos, mas não é o seu caso não é?
- É... É? – ele respondeu com outra pergunta.
- Eu acredito que seja, ou melhor... Eu espero que seja. – sorri, abrindo a porta do carro – Mesmo assim, muitíssimo obrigada, não sei como agradecer.
- Sendo assim, - ele coçou o pescoço - eu vou pensar em alguma forma para compensar – ele sorriu, deixando-me ir.

Fiquei pensando o que ele quis dizer com: ‘vou pensar em alguma coisa para compensar’. Achei, por fim, que queria que eu ficasse na esperança de uma ligação ou de um convite, então, fiz exatamente o contrário: Deletei.

Ainda na parte da manhã, voltei para a TV Publish e editei, junto com Luiz, o câmera, a entrevista que passaria na tevê no final da tarde. Aproveitei para ouvir as músicas da banda “The finalap”, uma junção de final e lap, que significa ‘Na última Volta’.

Foi difícil escolher uma música que pudesse tocar sem causar desconforto. Mesmo gostando do estilo musical, tive uma sensação estranha depois de ouvi-las, como se parte do terror dos sonhos de Heitor estivesse em mim. Uma situação totalmente nova, já que até minha mãe dizia que eu tinha sangue de barata, para ouvir o que eu ouvia quando adolescente.
_____________________________________________________________

Leia o segundo capítulo aqui.


Todos os textos escritos sao de autoria de Gisela Santana. Por favor divulguem, mas com os necessarios meritos.

Um comentário:

  1. Oi, Gisa!

    Parabéns por este capítulo. As mudanças são visíveis e tornaram o texto bem mais coerente. As sensações de Carolina ao fitar os olhos de Heitor foram impactantes; muito bom. A questão de Inês telefonando para sugerir uma matéria ficou bem clara. Esse final do Thor... Uai!

    Aguardando por mais novidades!

    Beijos!

    ResponderExcluir

Blog Archive