domingo, 19 de dezembro de 2010

Capítulo 11 – Dia de folga (parte 1)

Coloquei um colchão king bem no meio da sala e diversas colchas de cama ao redor. O dia frio e nublado implorava para que cada cidadão folgasse para poder curti-lo, assistindo um filme, ao lado de quem gosta. No meu caso, seria com Thor, meu fiel companheiro. Estourei pipocas e peguei um pacote de biscoitos caninos, que eu sempre dava para Thor em ocasiões especiais. E ele adivinhava, pois ficava extremamente feliz quando eu chegava mais cedo do trabalho, ou quando tinha algum aniversário, meu ou dele.
Depois de ter cochilado algumas dezenas de vezes, a campainha me acordou. Levantei e vi que Thor não estava dormindo ao meu lado. Abri a porta e ninguém havia chamado. Morrendo de sono, tranquei a porta e voltei para o colchão da sala. Um filme qualquer ainda estava rolando, mas eu já não prestava atenção. Nessa tarde eu sonhei, depois de semanas, talvez meses sem saber o que era isso.
“Era dia, mas estava escuro. Eu caminhava surrealmente no mesmo caminho em que ocorreu o sequestro, como se assistisse a cena. Anastácia e Gabriel Javan estavam anormalmente iluminados, tanto quanto Thor. O meu ‘Eu’, que encenava, junto de Heitor estavam desfocados, como se nós fossemos meros coadjuvantes daquele teatro de horror do meu sonho.”
“No lugar do carro dos sequestradores, estava uma porta de ferro, quase apagada, como se fosse fumaça. Três seres irreconhecíveis abriram a porta e dominaram o casal, eles andavam mais encurvados do que os reais e o pisar no chão resultava numa feroz cavalgada, como se três cavalos estivessem disputando uma fêmea. O ‘Eu’ que sonhava, assistia a cena de frente para a porta, e, ao ver um rosto feminino do lado de dentro da porta, percebi que se tratava de algo muito diferente do que realmente estava acontecendo. Ela tinha cabelos lisos e pretos, bem cortados, e uma franja tampando parte do rosto. Antes que eu pudesse observá-la mais atentamente, tive que dar espaço para os três homens que levavam os reféns iluminados para dentro da porta obscura. De repente, num surto de irritação, os olhos negros intensos me fez querer entrar na mesma porta.”
“Como eu poderia deixar que aquele casal entrasse naquela escuridão sob o comando desse ser espetacularmente demoníaco? Mas, acaso eu poderia deixar meu ‘eu’ que atuava no sonho, sem saber o que seria de mim, mesmo sabendo que eu estava sonhando? A luz que saia de Anastácia e Gabriel iluminou um quarto luxuoso, com uma cama de rendas brancas e antes que eu pudesse decidir o que faria, os olhos negros dela se encontraram com os meus azuis, o ódio tomou conta de meu ser e eu despertei.”

Abri os olhos ao me senti diferente, como se estivesse com ódio de todo mundo. Foi quando percebi que Thor rosnava pra mim que retomei a consciência e avançou para mim, não mais querendo me atacar, mas sim agradecendo por estar de volta.

Fiquei com aquele rosto em minha mente. Algo me dizia que essa mulher estava bem próxima de mim, mas eu não me recordava da onde a conhecia.
Fui tomar um banho, lavar a alma. Precisava me olhar no espelho, para relembrar de como eu era. Cabelos castanhos escuros, um pouco desalinhados, num corte degradê, minha franja estava um pouco comprida e de lado, cobria parte dos meus olhos verdes; ainda possuía o rosto fino e as maças do continuavam coradas . Eu era uma pessoa bem aparentada, só não tinha muita confiança em mim mesma. Era difícil me deixar envolver por alguém, não tinha um relacionamento com um homem há algum tempo, e cada dia que passa, parece aumentar a distância de conseguir tal façanha.
O telefone tocava incessantemente na sala e eu tive que correr para saber quem era:

- Alô! – disse
- Você está bem? – disse uma voz masculina.
- Estou. Quem fala? – perguntei.
- Ah! – a voz se aliviou – é o Heitor.
- Oi Heitor. O que houve?
- Você não está na tevê! – afirmou.

Sua voz parecia envergonhada. Como se ele se importasse comigo. Ou ainda, como se ele não quisesse demonstrar que ele sentiu minha falta, principalmente enquanto eu estava ouvindo isso da boca do próprio.
- É... – estranhei – eu peguei folga.
- Folga? Ah, desculpa. Achei que... Bom, eu não queria interromper. Está ocupada?
- Claro que não. – eu ri – quero mesmo é ficar em casa.
- Posso pedir uma coisa? – ele disse.
- Depende! – disse.
- Na verdade, eu vou ter que ir a um lugar, gostaria que você me acompanhasse. Aí, depois, quem sabe... – ele enrolou – Lembra do convite que fiz?
- Qual? – questionei.
- Com a sua irmã... Do autógrafo!
- Ah! – respondi – Gentileza da sua parte se lembrar disso, depois de ontem.
- Pois é, então... Eu estava pensando em fazer algo legal nesse final de semana, aproveitando que você está de folga...
- Ah... Mas, minha irmã não mora comigo, e nem está em São Paulo. Mas... – parei e pensei – Peraí, você não vai viajar amanhã?
- Não! Quer dizer, Sim! – ele disse – eu vou viajar no sábado, o primeiro show é em Itu. Será que se você não contasse que ela terá um encontro com sua banda favorita, ela não viria?

Eu ri. Será que ouvi direito?
- Você ta nos convidando pra sair? – perguntei, antes mesmo de formular a pergunta na minha cabeça.

Ele pigarreou duas, três vezes. Eu estava morrendo de vergonha por dentro, mas minha maior vontade era de começar a rir. Porém, eu sabia que, se aquilo era realmente um convite, eu estragaria tudo. Esperei ele encontrar as palavras e ele concluiu.
- Ora, não é sempre que se tem uma folga extra. Eu passo pra te pegar e te deixo em casa. Pode ser?

Lembrei do que a minha irmã havia dito, sobre isso parecer um encontro. Pensei algumas vezes antes de responder:
- Tudo bem, que horas? – perguntei, por fim.
- Em duas horas. Você vai ter tempo pra se arrumar? – zombou da minha cara.
- Claro. Sou jornalista, e não modelo. Sabe onde eu moro?
- Mais ou menos. – ele respondeu – pode me fácilitar um pouco?

Disse a ele exatamente qual era a rua, e como fazia para chegar lá, finalizei a conversa e fui me arrumar. Heitor era um cara estranho. Ora ele me evitava, ora ele me chamava para sair. Algo me dizia que não era para eu aceitar seus convites e encerrar nosso primeiro indício de amizade, mas eu sempre fui teimosa. Antes de me arrumar, liguei para Inês, saber se ela poderia vir pra São Paulo:
- Já limpou a república? – perguntei a ela.
- Por quê?
- Pode vir pra casa? Só esse final de semana. Que tal? – eu disse, sarcástica.
- Nossa! – ela gritou – Eu não acredito! Você conseguiu?
- Sim! Por incrível que pareça, sua irmã tem um... encontro, hoje.
- Não! – ela gritou – Mas, sábado eu tenho show! E ele também! Como?
- Não sei! Não complica Inês. Ele disse que pensou em algo pro final da semana, quem sou eu para dizer não?

Ela riu e assentiu. Ouvi uns gritinhos do outro lado do telefone e acabei por rir. Percebi que fazia tempos que não me sentia bem com a minha irmã. Ela era sempre alegre e me tratava da mesma forma como estava me tratando agora. Foi aí que eu percebi que o problema era eu. Ela era feliz, como qualquer garota da idade dela, mas eu nunca fui assim.
Para mim, interessante era ser diferente. Estudava mais, sorria menos. Investia meu dinheiro, gastava pouco. Trabalhava muito e passeava pouco. Achava que era completa, porém, nestes pequenos momentos que me sentia realmente feliz.
Percebi que nenhum investimento me deixou tão feliz quando aquele sorriso que toda aquela situação me privilegiou. Falar com a minha irmã, de igual para igual, valeu muito mais a pena do que ter estudado tanto, trabalhado tanto. Foi exatamente neste momento que me senti orgulhosa de simplesmente existir.
Desliguei o telefone. Thor me observava. Era estranho pensar que desta vez, eu deveria me arrumar para ir a um encontro, mas isso me recordava amargamente da esperança de um encontro que poderia ter acontecido, se não fosse por aquele maldito sequestro.
Pedi para Thor cuidar da casa e ele assentiu, assumindo seu posto de chefe de família.
Duas horas depois, Heitor estava buzinando na porta de casa.

Entrei no carro e esperei:

- Sabe o que é? – ele começou, antes mesmo de me ver fechar a porta do carro – Acho que começamos mal. – ele forçou o lado do pescoço, a fim de estralá-lo, e eu acabei lembrando dos seus dedos estralando, o que me causou outro arrepio – Você me entrevistou e ficamos por isso mesmo. E eu não sei nada sobre você! – ele parou, talvez esperando uma resposta. Mas eu aguardei – Tudo bem que você é a dona das perguntas, mas não tem uma boa história pra contar?
- Jornalista sempre tem histórias... – ironizei, tentando encerrar o assunto.
- Por favor? – ele suplicou, sério.
- O que você quer saber? – questionei, grosseiramente.
- O que eu quero sabe? – ele se questionou.
- Você me chama pra sair, para ver um ensaio da sua banda, depois de um quase sequestro e de alguns dias corridos de atenção somente a você. Já não basta a matéria que dei? Vou mandar a real, não estou mais a fim de escrever sobre você! – emburrei.
- Escrever sobre mim? – Heitor disse, quase indignado – Eu não quero a mídia em cima de mim! Não quero que as pessoas saibam sobre a minha vida ridícula!
Ele parou pra pensar, e eu temi por isso.

§§§

Mulher é um bicho esquisito. Quando você pensa que está agradando, na verdade não está. Você nunca vai saber o que uma mulher quer, tenha certeza disso. E eu estava sentindo na pele.
O que eu deveria dizer a Carol? Que estava arrependido por me sentir atraído por uma repórter? Eu até diria, se fosse verdade. Mas eu não estava incomodado, sabia que ela era diferente. Mas sabia também que a todo o momento, alguma coisa dentro de mim me mandava sair de perto dela, só não sabia dizer se era para o bem dela ou para o meu. O que eu devo dizer a ela?
Engoli a seco algumas vezes, respirei fundo e terminei de responder.

- Olha Carol, eu só quero ser normal, andar naturalmente pela rua sem ter problemas, do lado de alguém que não gosta de mim por ser famoso, mas por ser uma pessoa comum. E, desculpe a grosseria, mas atualmente, você é a pessoa mais próxima de um relacionamento com uma mulher que eu tenho. – eu sorri.

No fundo, eu estava morrendo de vergonha, ela era uma mulher linda, mas parece que ninguém dizia isso a ela. Completamente insegura, talvez eu fosse alguém que pudesse mostrar a ela quem ela é. E, eu sabia que também precisava dela, como pessoa.

- Acho que preciso de alguma inspiração. Minha cabeça está vazia. – eu disse, mas não era bem isso que eu queria dizer.
- Inspiração? E vai me usar pra isso?
- Sempre uso alguém – eu ri, descontraindo – é só você topar.

Ela sorriu comigo e o silêncio tomou conta do carro por um instante. Como é mesmo que se começa um relacionamento? Eu já havia me esquecido, e por isso me calei. Esperava que também fosse por isso que ela estava calada. Na verdade, meu coração é que estava vazio.

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Leia aqui a parte 2




Todos os textos escritos sao de autoria de Gisela Santana. Por favor divulguem, mas com os necessarios meritos.

3 comentários:

  1. Gisa, de repente, bateu saudade e eu vim até aqui. Espero que em breve você tire as teias de aranhas dessa história e a finalize com louvor.

    Ah, o Heitor me lembra demais Caio Gabriel! Deu saudade dele, sabia? Acho que vou até lá, nos meus escritos quase abandonados, lê-lo.

    Sobre esse trecho, é bem enigmático. Aliás, o livro todo é enigmático. E gostei do sonho, cê sabe que me amarro nessas coisas, né?

    Eu ia me esquecendo, uma vez, Carol disse ter olhos azuis, noutra, verdes:


    "os olhos negros dela se encontraram com os meus azuis..."

    "cobria parte dos meus olhos verdes..."

    Só podia ser eu pra perceber isso. Kkk...


    Beijos!

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  2. Hahaha, olha isie, eu mesmo não tinha reparado. Mas é como você disse, preciso tirar as teias de aranha desse livro e voltar a publicar... Só não sei se publicarei neste blog ou no site que esta começando... meu objetivo não é fazer desse livro um livro... quero fazer dele uma 'novelinha'. Um capitulo por semana, para fazer os leitores voltarem e voltarem... (=
    Obrigada pelo apoio!

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  3. Oi, Gisa.

    Bateu saudade dessa história... Pensar em Heitor me faz lembrar Caio Gabriel, até pensei nele hoje. São personagens viciantes. =)

    Beijos!

    Isie

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